| CRÍTICAS | Salsicha Party

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Há coisas que não entendo e que me causam enorme frustração. Uma delas é esta: os senhores das traduções dos títulos dos filmes para português tinham aqui uma rara oportunidade de serem parvos com razão e chamarem a este algo como A Festa da Salsicha. No entanto, saiem-se com um Salsicha Party, lembrando aquele triste episódio do Shaun of the Dead que foi traduzido para… Zombies Party(!).

Muito se falou, especialmente na internet, deste Salsicha Party, a animação de Seth Rogen e Evan Goldberg para adultos. É um desenho-animado que segue aquele hábito da Pixar em antropormofizar objectos do nosso dia-a-dia (brinquedos, carros, aviões…), colocando a comida do supermercado a falar. No entanto, é uma versão javarda desta tradição familiar, mais perto de South Park do que de Toy Story, mas com uma hipersexualização dos seus bonecos. Não é por acaso que os protagonistas são uma salsicha (voz de Seth Rogen) e uma pãozinho de cachorro-quente (voz de Kristen Wiig), que sonham no dia em que o primeiro vai poder escorregar pelo interior da segunda…

Estão a ver aqueles trocadilhos fáceis puns super-óbvios? Salsicha Party não falha um e faz questão de se orgulhar disso. E isso é um elogio. No entanto, por cada piada parva, o filme compensa com outra mais inteligente, assumindo-se como uma reflexão satírica à religião e à crença, já que a intriga principal do filme prende-se à volta da descoberta que os alimentos fazem de que o além-vida não existe e que o que os deuses têm guardado para eles é… a morte! Há então uma revolta que vem com esta descoberta, mas que termina com um apaziguamento, com os alimentos a fazerem as pazes com o seu interior, com a vida e com o destino inóquo desta. E, num gesto metarreferencial que deixaria os Monty Pythons orgulhosos, vai ainda mais longe, quando os alimentos tomam noção de que, para além de serem comida que vão ser digeridos pelos humanos, são primeiro que tudo… desenhos-animados(!).

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Aparte desta reflexão metafísica e existencialista, há ainda a questão da (in)tolerância cultural e étnica, com um pão lavash e um bagel a assumirem esta empreitada, e, claro, todo o tabu sexual, que faz com que o filme termine na mais tresloucada orgia de que há memória em toda a história do cinema. E desde a cena de sexo com marionetas de Team America – Polícia Mundial que não víamos algo tão… radical, no universo da eroticidade.

A animação continua a ser um campo pouco explorado no que diz respeito a variações mais adultas ou transgressoras, mas quando aparecem normalmente fazem mossa. Salsicha Party deixa um rombo bem grande na moral dos bons-costumes, lembrando-nos que, apesar de muitas vezes serem irritantes, esta malta do Seth Rogen, do Jonah Hill, do James Franco, do Evan Goldberg e do Judd Apatow têm sido quem mais riscos tem corrido na comédia contemporânea. Faltou uma hamburga no leque de personagens de Salsicha Party. Se houvesse seria sem dúvidas um McRoyal Deluxe.mcroyal-deluxeTítulo: Sausage Party
Realizador: Greg Tiernan e Conrad Vernon
Ano: 2016

One thought on “| CRÍTICAS | Salsicha Party

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