| CRÍTICAS | Os Desastres de Sofia

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Já houve um tempo em que parecia que Cristophe Honoré ia dominar o mundo do cinema. Jovem de talento precoce e cinéfilo inveterado, Honoré partia do legado muito forte da nouvelle vague (e não só) e redefinia-o e inflava-o com um novo e fresco vigor. Depois de dois filmes incríveis feitos de seguida (alguém mencionou Em Paris e As Canções de Amor?), o jovem francês nunca mais conseguiu cumprir as expectativas, deixando então o lugar de “jovem prodígio que vem partir esta merda toda” para Xavier Dolan.

Ainda não será com Os Desastres de Sofia que Honoré recuperará o lugar ao sol, mas quem sabe nunca esquece, mesmo quando se está a adaptar ao cinema os livros infanto-juvenis das aventuras de Sophie – uma espécie de Anita, mas no século XIX. O francês entra em território improvável, mas se há coisa que a sua filmografia nos diz é que, se há coisa que Honoré nunca foi, foi ser previsível.

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Sophie (uma incrível estreia de Caroline Grant) é então uma jovem criança com queda para as tropelias. Uma pestinha no rígido ambiente do século XIX, que vai coleccionando avarias atrás de avarias. Ao mesmo tempo, Honoré vai desconstruindo o filme de época e todo o protocolo de um certo cinema e prestígio de tradição francesa, com o mesmo tom de provocador que o fazia com o musical, por exemplo, em As Canções de Amor. Isso significa que há aios que falam directamente com a câmara, momentos musicais anacrónicos, uma theme song para Sophie digna de qualquer sitcom juvenil e animais em animação cartoonesca que parecem acabados de chegar do Quem Tramou Roger Rabbit? (e que, mesmo assim, parecem mais reais que muito CGI que anda para aí).

A meio o filme muda de tom, quando irrompe a tragédia, com uma cena de transição absolutamente incrível, com um trompe-l’oeil que parte de uma pintura na parede para um naufrágio em alto mar de proporções catastróficas. Honoré continua a coleccionar episódios, que parece que no fim vão servir para tirar uma conclusão qualquer, algures entre a tragédia clássica e o miserabilismo de um Marquês de Sade, mas que termina sem qualquer resposta ou moral. Cristophe Honoré diverte-se só a ser um agente provocador, a partir de matéria inesperada. O McChicken não é um menu aconselhado para crianças, mas um adulto, em condições normais, também não fica propriamente saciado com ele.mcchickenTítulo: Les Malheurs de Sophie
Realizador: Cristophe Honoré 
Ano: 2016

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