| CRÍTICAS | O Milagre da Rua 8

Sabemos que o legado de alguém é forte quando começamos a utilizar o seu apelido como adjectivo. Foi o que aconteceu a Frank Capra, o realizador cujo nome passou a ser sinónimo de cinema humanista, alinhado com os mais altos e nobres valores morais. Depois surgiu Steven Spielberg, o seu sucessor directo, e o adjectivo capriano passou também a servir para descrever o seu cinema.

Apesar de não ser assinado pela mão de Spielberg, O Milagre da Rua 8 (imaginativa tradução portuguesa, que até resolve criar o nome da rua do filme que nunca é referido sequer) tem esse tal espírito capriano escrito por todo o lado. A história era para ter sido apenas mais um episódio dos Contos Assombrosos (a série de televisão criada pelo realizador de O Tubarão), mas Spielberg gostou tanto dela que resolveu produzir uma longa-metragem. E apesar de ser Matthew Robbins o realizador creditado, se nos dissessem que tinha sido Steven Spielberg nós acreditaríamos.

O Milagre da Rua 8 é a história de um prédio que resiste ao avanço dos arranha-céus nos subúrbios norte-americanos, apesar dos esforços do investidor para que os últimos inquilinos se ponham na alheta. Para isso, paga a um agiota para que convença esses moradores a saírem, independentemente dos meios pouco éticos que utiliza. No entanto,. um grupo de moradores resiste estoicamente ao despejo (lembram-se do recente Aquarius?). Ele é o artista Mason (Dennis Boutsikaris), a latina grávida Marisa (Elizabeth Peña), o antigo pugilista e com cérebro de menino Harry (Frank McRae) e o casal que gere a casa de hamburgas do rés-de-chão, Frank (Hume Cronyn) e a levemente demente (alzheimer, será?) Faye (Jessica Tandy).

Apesar da situação parecer perdida, uma ajuda surge dos céus. E não é uma estrelinha nem um santinho: são pequenos disco-voadores, com uma estranha obsessão por ajudar e reparar coisas. Tal como ET – O Extraterrestre, estes são invasores benfeitores, que não vêm para nos aniquilar, antes pelo contrário. E, já que estamos em vésperas do aniversário das aparições de Fátima, que interessante é reflectir sobre esta metáfora da ajuda divina que desce do céu, respondendo às preces daquela gente.

O que se segue é um feelgood movie cheio de esperança e boas vibrações, que restaura a nossa fé na humanidade à medida que aqueles personagens se vão arrependendo e redimindo (Carlos (Michael Carmine), o tal agiota, é quem encarna este sentimento muito cristão), enquanto que os que não se arrependem são castigados. No entanto, independentemente da ajuda dos pequenos extraterrestres (que são discos voadores fofinhos, feitos de lixo e animados numa stop motion bem fluída), os moradores só conseguem alcançar os seus objectivos graças a união e aos laços de entreajuda que criam entre si, construindo um núcleo familiar alargado que, ao se tornar sólido, se torna invencível. E todos sabemos o quão gosta Steven Spielberg de filmar estes núcleos familiares, que quando ficam em risco dão sempre azo aos seus melhores filmes.

Por vezes esquecido e tantas outras vezes subvalorizado, O Milagre da Rua 8 é um daqueles filmes para ver com toda a família, que compensa possíveis falhas (falhas? não há aqui falhas nenhumas!) com uma enorme honestidade e um grande coração. Obviamente que ajuda ter a comandar as tropas dois velhinhos fofinhos (ainda por cima quando sabemos que Cronyn e Tandy foram casados na vida real durante tantos anos), nesta espécie de Cocoon – A Aventura dos Corais Perdidos meets ET – O Extraterrestre. E é interessante ver como é que um filme sobre máquinas espaciais que se reproduzem(!) – sim, os discos-voadores acasalam e têm discos-voadorezinhos – funciona como metáfora sobre a fé e a crendice. Este Le Big Mac merece mais atenção.Título: Batteries Not Included
Realizador: Matthew Robbins
Ano: 1987

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