| CRÍTICAS | A Missão

A premissa de A Missão é uma daquelas que vale por si só o próprio filme: um assassino a soldo mata quem não deve e um familiar de uma das suas vítimas, para se vingar, faz-lhe uma operação de mudança de sexo. E agora este transexual à força vai buscar vingança. Payback’s a bitch, diz a tagline no poster, num dos melhores trocadilhos do cinema deste ano.

Portanto, A Missão é um revenge movie (com un je ne se quoi de Tarantino), mas não só. É também uma (ligeira) reflexão sobre as questões de género, colocando frente a frente as questões de identidade e de género. Além disso, A Missão reflecte ainda as noções de arte, se esta pode ser descontextualizada de qualquer noção política ou moral na sua fruição pura e simples, o que não deixa também de ter a sua piada se o entendermos como uma meta-referência. Tudo isto é embrulhado num cinema de série b bastante económico, assinado por um Walter Hill que, de nome obrigatório do cinema de acção dos anos 80, tem vindo a cair na irrelevância nos tempos mais recentes.

Há então boas ideias em A Missão, mas nunca as consegue concretizar verdadeiramente. Principalmente, porque Walter Hill nunca se decide por qual quer ficar. O melhor é mesmo o revenge movie – e as sequências de acção, quase minimais, são as melhores de todo o filme -, mas as questões de género são uma caixa de ressonância que Hill tenta explorar de forma subtil, mas nas quais acaba por tropeçar como um elefante numa loja de porcelanas.

Michelle Rodriguez é então o tal assassino a soldo que é transformado em mulher e ela assume ambos os papeis, parecendo curiosamente melhor enquanto homem do que enquanto mulher; Sigourney Weaver é, por sua vez, a doutora que a opera e que, ao ser interrogada no hospital, vai permitindo reconstituir a história em analepses e prolepses que se sucedem até ao twist final (sim, também existe um twit!). E com a sua figura masculinizada, Sigourney Weaver (que, mais uma vez, nos lembra que a sua presença cada vez mais esparsa no grande ecrã nos deixa saudades) estebelece novo paralelismo com as questões de identidade perante o seu nemésis, um homem num corpo de mulher.

A Missão tem criado alguma celeuma entre a comunidade transgénero, mas pouca gente se tem preocupado com o que é realmente grave no filme: que raio são aqueles planos de corte em banda-desenhada? Alguém devia fazer uma intervenção junto de Walter Hill. A sua filmografia (Os Selvagens da Noite sempre!) merece mais do que títulos como este (apesar de, volto a realçar, estar cheio de boas ideias) ou o outro recente Bala Certeira. Mesmo assim, o Double Cheeseburger que leva aqui para casa vale a pena em bizarraria.Título: The Assignment
Realizador: Walter Hill
Ano: 2016

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