| CRÍTICAS | O Meu Nome é Michael

Não deixa de ser curioso o facto de Eu Sou Michael chegar às salas portuguesas numa altura em que se discute o porquê de existirem no mercado português livros de exercícios de crianças para meninos e para meninas. Afinal de contas, este biopic do ex-activista LGBT, Michael Glatze, é uma excelente oportunidade para se reflectir sobre as questões de género e a eterna dicotomia sexual da identidade vs género.

Mas comecemos pelo início. O Michael do título é então Michael Glatze, um conceituado, reputado e premiado activista queer e homossexual assumido que, uns anos depois, se transformou num cristão fundamentalista e se “tornou” heterossexual(!). No fundo, fez o processo inverso a que normalmente estamos habituados a ver. Em vez do homossexual reprimido que se assume, Gloetze deu um passo atrás e voltou para dentro do armário. Uma opção difícil de perceber e que, sendo uma história verídica (a realidade é sempre mais estranha que a ficção, não é?), torna Eu Sou Michael ainda mais apelativo.

Eu Sou Michael começa como qualquer filme biográfico. Depois de um curto prólogo, uma analepse leva-nos a dez anos antes e dá-nos a conhecer Michael Gloetze (James Franco), bem-sucedido editor da revista gay XY, e o seu namorado, Bennett (Zachary Quinto). A coisa corre dentro da normalidade, até que um problema de saúde despoleta algo em Gloetze. E, de repente, um medo pela vida eterna, pelo castigo no Inferno e por Deus-nosso-Senhor, fá-lo voltar-se para Jesus Cristo, renegar a homossexualidade e procurar um caminho em que o desejo carnal e a vida terrena sejam condizentes com a palavra da BÌblia.

É difícil entender este discurso e compreender como é que um activista dos direitos LGBT se torna num fundamentalista cristão anti-homossexual. Eu Sou Michael dispensa a visão política, de como esta opção deu força aos movimentos anti-gay, e foca-se sobretudo no homem. Contudo, também o realizador Justin Kelly não consegue passar esta mensagem (é possível justificar o injustificável? O cinema já nos provou n vezes que sim, desde que com a habilidade suficiente) e acaba por esvaziar o filme a uma sucessão de vinhetas em que vemos James Franco a ler a Bíblia, a olhar o infinito, a teclar com amigos no myspace (credo, já ninguém se lembrava que o myspace tinha existido) e a escrever no seu blogue (não necessariamente por esta ordem).

Havia aqui material com fartura para se pegar, mas Eu Sou Michael nunca se decide sequer por onde começar. Faz uma leitura superficial entre as tais questões de género e identidade, não explora as consequências políticas e sociais daquele tipo que se diz “curado” da homossexualidade e não consegue mais do que um eco mais ou menos vazio do que se passou na cabeça de Michael Gloetze. Um Double Cheeseburger que sabe a pouco, muito menos do que deveria saber.

Título: I Am Michael
Realizador: Justin Kelly
Ano: 2015

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