| CRÍTICAS | Cegos, Surdos e Loucos

Houve uma altura, ali pelos anos 80, que Richard Pryor era mesmo o maior. Os seus espectáculos de stand up comedy sem papas na língua (que incluíam muitos palavrões, inclusive a palavra nigger) e o seu estilo de vida desregrado (drogas, mulheres, boémia…) tornaram-no num fenómeno mediático que, como seria de esperar, não demorou a ser adoptado por Hollywood. Assim, depois de um par de filmes interessantes e um Super-Homem em que o seu cachet foi superior ao do próprio Cristopher Reeves, Pryor podia-se dar ao luxo de fazer qualquer coisa só para ir buscar o cheque ao fim do dia.

Cegos, Surdos e Loucos é já deste período e é provavelmente o último bom (menos mau?) filme de Pryor. Assim, um ano antes de fazer Os Reis da Noite ao lado de Eddie Murphy, a outra estrela negra do stand up, que seguira as suas pisadas, Pryor estrelava ao lado de Gene Wilder, outro dos grandes nomes da comédia dos anos 80, para um filme levezinho sobre defeciências físicas. Ou seja, o tipo de filme que hoje em dia era impossível de ser feito. Mesmo sem nunca ser verdadeiramente desrespeitoso.

 

Richard Pryor é então um tipo cego que nem um morcego, que recusa assumir a sua cegueira e compensa essa limitação física com muitas piadas na ponta da língua, algumas delas (a maioria?) bastante desconfortáveis. Por sua vez, Gene Wilder é surdo que nem uma porta, mas prefere recalcar a sua amargura numa vida mais sossegada como gerente de uma papelaria. Os dois começam a trabalhar juntos, mas rapidamente se vão ver envolvidos num crime do qual são falsamente acusados e que inclui um muito jovem Kevin Spacey (a fazer uma caricatura má do típico vilão de James Bond) e uma muito gira Joan Severance.

As limitações de Pryor e Wilder fa-los complementarem-se – como na cena em que conduzem um carro, Pryor ao volante e Wilder a dar-lhe as indicações -, tornando Cegos, Surdos e Loucos no ultimate buddy movie. E depois é esperar que ambos façam a sua magia, com o seu estilo de humor que é igualmente conciliável (o estilo mais discreto de Wilder vs o estilo mais histérico de Pryor) numa química que tanto vai beber ao humor físico como ao estilo mais slapstick (olá Irmãos Marx, como estão?). Com o passar do tempo, a coisa começa a repetir-se e a tornar-se cansativa, mas Cegos, Surdos e Loucos também não é propriamente longo. Por isso, nem que seja só para ver a dupla Pryor/Wilde junta já vale o Double Cheeseburger.Título: See No Evil, Hear No Evil
Realizador: Arthur Hiller
Ano: 1989

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