| CRÍTICAS | Um Crime no Expresso Oriente

Um Crime no Expresso Oriente, de Agatha Christie, é um daqueles filmes que, de volta e meia, é adaptado ao cinema. Toda a gente conhece a versão do Sindney Lumet, que é a mais conhecida até pelo elenco de nomes sonantes, mas entre filmes e tele-filmes a lista de adaptações é de perder a conta. Mas Kenneth Brannagh é um tipo do teatro e achou por bem que também que tinha que dar o seu contributo à causa.

Um Crime no Expresso Oriente é o whodunnit definitivo: a bordo do Expresso do Oriente, o comboio que – nesta versão – liga Istanbul a Londres, um tipo com uns hábitos suspeitos (Johnny Depp) aparece morto, numa altura em que a marcha está interrompida. No mesmo vagão segue o maior detective de todos os tempos, Hercule Poirot (o próprio Kenneth Brannagh e o seu bigode… volumoso), que, com muito poder de dedução e lógica, vai descobrir qual dos passageiros foi o assassino.

Confesso que não sou particularmente fã deste episódio de Poirot, que tem outros claramente melhores (como o Morte no Nilo, ao qual há uma referência no final como que a abrir uma porta à sequela), uma vez que este não deve muito à credibilidade e ao realismo. No entanto, Um Crime no Expresso Oriente permite a Hercule Poirot brilhar em todo o seu esplendor: ao estar limitado ao comboio, onde as personagens não podem sair ou mexer-se (limitando-se a estarem quietas e a parecerem assustadas, como alguém escreveu algures) o detective belga (que, para quem não conhece, é uma versão mais espirituosa do Sherlock Holmes) tem tempo e espaço para melhor exprimir todas as suas incríveis habilidades. Aliado a isso, há ainda o romantismo do espaço: o Expresso Oriente, símbolo da ostentação e da burguesia do início do século passado, e também da ligação entre a sofisticação do Ocidente e o exotismo do Oriente.

Assim, Um Crime no Expresso Oriente começa por apresentar as personagens e coloca-las todas em posição cirúrgica, para depois efectuar o assassinato. A partir daqui, coloca a chave na mão de Poirot, que parte para o seu one man show. E Brannagh não se faz rogado, criando o mais espectacular bigode da história dos bigodes do detective belga (cuja fama e reputação só é comparável à sua própria pilosidade no lábio superior), dando-lhe um toque espirituoso muito particular e, de certa forma, caricatural. De tal forma que ficamos com a impressão que Brannagh passa o filme a fazer de Johnny Depp, que aqui – na curta participação antes de ser esfaqueado – passa a sua habitual personagem bizarra em detrimento de um papel sóbrio e… de actor.

O elenco é um rol de nomes notáveis – Judi Dench, Michelle Pfeiffer, Penélope Cruz, Willem Dafoe… -, mas nenhum deles tem propriamente margem de manobra para brilhar porque… limitam-se a estarem ali com cara de assustados. É que nenhum deles está a representar propriamente uma personagem, mas antes arquétipos: a aristocrata com mau feitio, a religiosa fervorosa, o contabilista manhoso… E Brannagh até dá um toque de contemporaneidade ao filme ao introduzir a temática racial, com a personagem de Leslie Odom Jr.

Ciente das limitações daquele microcosmos, Kenneth Brannagh tem discernimento para não cair no simples teatro filmado e vai dando asas a uma linguagem cinematográfica mais criativa, com um travelling mais arrojado aqui e uns planos mais imprevistos acolá. Um Crime no Expresso Oriente tem, assim, uma elegância que não o deixam amarrado ao realismo britânico do filme de época de luxo para o qual poderia tender facilmente. No entanto, era dispensável o final tão filosófico, ensaiando um discurso sobre a razão, culpa e expiação, com os suspeitos todos alinhados em modo de A Última Ceia. Se à partida uma nova adaptação de Um Crime no Expresso Oriente já era dispensável, no final nada fica para nos fazer mudar de ideias. Fica apenas um Cheeseburger…

Título: Murder on Orient Express
Realizador: Kenneth Brannagh
Ano: 2017

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