| CRÍTICAS | Helter Skelter

Corria o ano de 1969 quando o horror bateu à porta dos norte-americanos, como que anunciando o fim da era da paz e amor. Sharon Tate, actriz e esposa do realizador Roman Polanski, era brutalmente assassinada em sua casa, juntamente com quatro amigos. Eram adicionados a este mais dois crimes, que levaram à detenção e à condenação de Charles Manson e a sua seita, a Família. O longo processo judicial desenvolveu uma autêntica novela social e Manson rapidamente se tornou um ícone de massas.

Todo este folclore criou à volta de Manson e da sua família um hype intemporal, cheio de conceitos atractivos, desde o paranormalismo, o psicadelismo, as mensagens subliminares e o profetismo. Tudo isto faz desta história macabra uma suculenta matéria para filmes, livros e toda uma parafernália de objectos mediáticos. No entanto, o cinema ainda continua à espera de parir um filme condizente com a história e a mística em redor de Charles Manson.

Assim, em 2004, John Gray decide fazer (mais) um telefilme sobre a história. No entanto, escolhe o pior caminho. Se já o facto de ser um telefilme o limita à partida, Gray ainda teve a infeliz ideia de apenas adaptar outro telefilme, de qualidade medícore, da década de 70, de nome homónimo. O resultado é uma obra sofrível, cujo título, como não podia deixar de ser, é Helter Skelter.


Helter skelter era assim a designação que Charles Manson atribuía ao armagedão iminente, uma guerra além da imaginação humana, que iria opor os brancos aos negros. Todo este processo iria culminar, anos mais tarde, no domínio do mundo por parte do próprio Manson e da sua família, segundo o próprio. Este não era mais que Jesus Cristo e os quatro cavaleiros do apocalipse eram, nada mais nada menos, que os quatro fabulosos de Liverpool, que haviam composto o tema… Helter Skelter. Os crimes da Família eram então uma forma de Manson apressar o conflito e garantir a sua posição de poder.

Em Helter Skelter, Manson é personificado por Jeremy Davies e conta ao seu lado com Clea DuVall (Linda), Eric Dane (Tex), Katie (Allison Smith) e Sadie (Marguerite Moreau). Helter Skelter é, contudo, um relato menor de uma história cheia de coisas para se contar e explorar, se tivermos em conta todo o folclore em redor e o espectro de história mal contada. Gray não arrisca nem seduz; mantém-se no caminho, rumo ao final, sempre dentro do politicamente correcto, nunca arriscando a pôr o pé de fora, nem por um milímetro. Helter Skelter é assim o retrato dos crimes da Família aos olhos de Linda Kasabian, a testemunha fulcral de todo o processo, que aqui é envolta nas vestes do bem e do moral.

Por tudo isto, Helter Skelter não é mais que a colagem de fotografias do que aconteceu, sem um fio capaz de os segurar. Até os diálogos são irrisórios, o que é pena, dado a figura interessante que Jeremy Davies podia ter dado a Charles Manson. Aliás, Davies, a par de Marguerite Moreau (num registo a lembrar Juliette Lewis, no seu papel de ingénua, mas pscicótica Mallory Knox, em Assassinos Natos), são os pontos fortes do filme. Dividido em três actos (a introdução de Linda e da Família, os assassinatos e o julgamento), apenas nesta última fase, Helter Skelter mostra algum interesse. Mesmo a parte dos assassinatos, em que John Gray podia ter apostado tudo, uma vez que massacres trazem sempre publicidade (seja boa ou má), é relativamente paupérrima e, nas cenas mais violentas, o realizador aposta nos efeitos visuais de resultado duvidoso.

A história decorre numa altura em que os hippies e o rock n’ roll, a guerra do Vietname e Richard Nixon eram temas fortes e que marcaram uma década. No entanto, por vezes esquecemo-nos em que altura estamos, tal é pouco o esforço desprendido na contextualização socio-cultural. E o que dizer na banda-sonora? O que podia ser o prato forte (visto ser uma época poderosa, no que diz respeito à música, que o diga Cameron Crowe, no seu Quase Famosos), aqui é uma nulidade. John Gray apenas utiliza aquela que era obrigatória.

Ainda não é desta que o mundo recebe um bom filme acerca do caso Manson, apesar das várias tentativas. Por isso, se está minimamente informado sobre o caso, assistir a Helter Skelter é quase perda de tempo. As potencialidades da história pedem mais. Esperemos que este Cheeseburguer seja o último acerca de Charles Manson e que, com a morte deste, venha daí um biopic em condições. E com o Vincent Gallo como protagonista, de preferência. Título: Helter Skelter
Realizador: John Gray
Ano: 2004

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