| CRÍTICAS | A Forma da Água

Quando vimos o primeiro trailer de A Forma da Água pensámos que podia ser uma prequela qualquer do Hellboy, por causa da criatura aquática (e obviamente que já existem teorias online sobre a possibilidade de serem ambas a mesma – pelo menos o actor, Doug Jones, é o mesmo). Mas afinal o que Guillermos del Toro fez foi uma história de amor e perda, entre uma mulher muito ameliepoulainiana e o monstro de O Monstro da Lagoa Negra.

No fundo, A Forma da Água não anda muito longe dos principais títulos da filmografia de del Toro, nomeadamente Nas Costas do Diabo e O Labirinto do Fauno. As suas principais características e temáticas estão aqui presentes, a saber: um certo fascínio pelos marginais e pelos freaks (aqui, a protagonista, Sally Hawkins, é uma jovem órfã que é muda), uma espécie de realismo mágico (ou, simplesmente, o fantástico como pedra de toque) e a dicotomia entre monstros vs humanos, em que os verdadeiros monstros são sempre os homens (neste caso um aterrador Michael Shannon, que não lava as mãos depois de fazer xixi como demonstração de personalidade (cena inesquecível) e com dois dedos podres). A única diferença entre este título e os outros dois referidos é que, em vez da guerra civil espanhola, temos como pano de fundo a Guerra Fria.

É certo que o build up de A Forma da Água é um pouco atabalhoado e tropeça nos próprios pés [spoilers – a sério que a criatura come um dos gatos de um dos good guys e toda a gente acha normal porque é a sua natureza?], além de parecer um pouco oportunista na introdução dos temas da homossexualidade e do racismo. Mas também é certo que Guillermos del Toro tem um sentido de cinefilia apurado que lhe permite filmar estas coisas com um toque especial (e há uma cena de amor debaixo de água que fica na retina), até porque há várias referências ao cinema clássico de Hollywood, com referências a Elizabeth Taylor ou à nossa Carmen Miranda. E ao contrário de coisas como O Artista, aqui isso soa como homenagem e nunca como bricolage e um feito-à-maneira-de.

Aliás, o facto dos protagonistas de A Forma da Água viverem por cima de uma sala de cinema que tenta combater a falta de público devido ao advento da televisão, funciona simultaneamente como homenagem cinéfila (à maneira de Cinema Paraíso, por exemplo) e como símbolo de um tempo que já passou num momento de transição, que podemos ler à luz dos nossos tempos. O filme tem várias camadas de leitura, é realizado com sabedoria, mas não escapa nunca à ideia de que está a chover no molhado, como alguém que insiste em seguir sobre as pegadas que já estão marcadas na terra molhada. É certo que mete qualquer blockbuster actual na algibeira, mas não quer dizer que seja mais do que um McChicken e que justifique tanta nomeação ao Oscar. Quem viu Nas Costas do Diabo ou O Labirinto do Fauno já viu isto antes e melhor.Título: The Shape of Water
Realizador: Guillermo del Toro
Ano: 2017

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