| CRÍTICAS | Corpo de Combate

Jean-Claude Van Damme e Sheldon Lettich sempre se deram bem, especialmente em Duplo Impacto (um dos mais icónicos filmes xunga do belga), mas também em O Legionário. Mesmo que The Order – Cruzada Final já tenha sido uma treta, não admira que os dois se tenham voltado a cruzar em 2006, quando Van Damme andava na mó de baixo, enfiado nos straight-to-video, para tentarem dar um novo fôlego à carreira do primeiro.

Durante o seu período áureo, Van Damme tinha especialmente dois tipos de filme de que usava e abusava: o filme de porrada (de artes-marciais, de preferência) e o filme de ficção-científica (de porrada). Por isso, Corpo de Combate pode ser visto como uma espécie de filme-charneira na filmografia do belga, já que é a primeira vez que veste uma pele diferente: a do herói envelhecido e com esqueletos no armário.

Logo na primeira vemos Van Damme a matar árabes no Médio Oriente e, apesar de haver murais do Ayatollah Khomeini nas paredes, acabaremos por saber que está no Afeganistão. Mais tarde iremos reencontra-lo já longe das fardas de soldado, traumatizado e cheio de macaquinhos no sótão depois de ter visto um homem-bomba a rebentar-se numa escola cheia de miúdos. É precisamente a um hospital para veteranos traumatizados que o vão buscar para se tornar no chefe de segurança dum ricaço ex-lutador de boxe (Razaaq Adoti), que precisa de se proteger contra o barão do crime lá do bairro que ajudou a mandar para a prisão e que agora conseguiu uma inesperada liberdade condicional (Viv Leacock).

Apesar de ter liberdade para escolher a sua equipa, ela nunca chega (está a vir, diz ele mais do que uma vez, e imaginamos nós que estão a vir a pé desde o Afeganistão), e por isso Van Damme vai acabar por treinar uns miúdos lá do ginásio local. Por entre uns comentários machistas para com uma candidata feminina e outros tantos racistas e preconceituosos sobre o hip-hop (Rui Veloso ficaria orgulhoso) e a comunidade afro-americana, Van Damme vai ainda desenvolver uma relação afectuosa com a irmã do seu novo patrão (Vivica A. Fox), sempre com a mesma cara de frete de quem não podia estar mais desinteressado no filme que está a fazer. Mas não, afinal aquela é apenas a forma que arranja para nos dizer que é um ex-soldado traumatizado.

Tudo isto é a forma que Sheldon Lettich arranja para montar um thriller urbano entre dois grupos rivais, com os habituais buracos no argumento e a dramatização exagerada habitual do cinema de segunda categoria. Van Damme nem sequer tem tempo para mostrar os seus dotes na área da porrada, excepto um curto duelo com o seu patrão, que serve sobretudo para enterrarem o machado de guerra entre eles e eliminarem as diferenças que os mantinham desavindos – e foi preciso duas horas de filme para uma coisa que se faria em dois minutos. Há, em compensação, muito tiroteio, com os maus a sofrerem de falta de pontaria crónica e as armas a terem munição infinita.

Houve uma altura em que o realizador Sheldon Lettich foi aquele que melhor soube tirar proveito das habilidades de Van Damme. No entanto, depois de determinado momento (ali no final dos anos 80, quando a noção de ridículo deixou de estar dormente e os action heroes deixaram de ter razão para existir), nem sequer ele foi capaz de resgatar a sua carreira da irrelevância. Corpo de Combate foi mais um Happy Meal que foi directo para DVD, cujo único ponto positivo foi o de fugir à fórmula-base dos filmes de Van Damme – alguém lhe mata/magoa um familiar e ele vai-se vingar -, apresentando-o pela primeira vez como herói envelhecido.

Título: The Hard Corps
Realizador: Sheldon Lettich
Ano: 2006

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