| CRÍTICAS | Um Rosto sem Passado

Não se sabe se foi premonição ou simples coincidência, mas o que é certo é que, quando em 1989, Mickey Rourke decide fazer Um Rosto sem Passado, essa é uma decisão extremamente arriscada. Isso porque, uns anos antes de deixar a representação em detrimento do boxe, onde ficaria com a cara arruinada e teria de se submeter a uma série de cirurgias faciais, fazer um filme em que aparecia cheio de próteses na cara quando era um dos maiores galãs de Hollywood da altura, era uma decisão artística que tanto poderia correr muito bem como muito mal.

Mickey Rourke é então Johnny Handsome, um bandido especialista em assaltos, conhecido por ter o crânio todo defeituoso, numa mistura entre o Homem-Elefanta e o Monstro, de A Bela e o Monstro. Depois de ter sido traído pelos colegas Ellen Barkin e Lance Henriksen (em versão punk) num golpe a um ourives, Rourke acaba na prisão, onde ainda é esfaqueado pelas costas. Dupla traição para juntar a uma vida de discriminação, bullying e muito sofrimento existencial.

Depois de uma primeira parte de acção, mais ou menos musculada, entra em cena Forest Whitaker e o seu programa experimental de recuperação de condenados defeituosos. Whitaker, com o seu estilo muito pausado e cool, convence Rouke a fazer várias operações inovadores, arranja-lhe a cara, dá-lhe uma nova identidade e permite-lhe a reintegração na sociedade, para recomeçar de novo. Com um trabalho e uma namorada nova (Elizabeth McGovern), Rourke tem tudo para começar de novo.

Mas Um Rosto sem Passado volta a carregar no reset e, para a última parte, recomeça como um outro filme. Forest Whitaker desaparece e, com ele, vai-se o drama existencial. Walter Hill, saudoso realizador de acção que nunca teve propriamente unhas para tocar uma guitarra mais série e existencial (basta reparar no seu mais recente A Missão, que tem a sensibilidade de um elefante numa loja de porcelanas), mergulha desta vez no neo-noir, com femme fatales, (anti)heróis e uma atmosfera urbana que aproveita muito pouco da Nova Orleães onde o filme se ambienta e da guitar steel da banda-sonora de Ry Cooder.

O último acto de Um Rosto sem Passado volta assim a ser um filme de acção mais ou menos musculado, que faz dele um filme bem desequilibrado. Não lhe faltam as boas ideias (e intenções), um Mickey Rourke esforçado (e bem intencionado) e até um Morgan Freeman num papel mais ou menos diferente do que estamos habituados a vê-lo (é o polícia que paira por perto, como um abutre ou uma ave de mau agoiro, à espera de um passo em falso de Rourke como um necrófago à espera de ver sangue), mas Um Rosto sem Passado é um Cheeseburger falhado. Mas que todas as hamburguesas falhadas fossem como esta…

Título: Johnny Handsome
Realizador: Walter Hill
Ano: 1989

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