| CRÍTICAS | Carga

Cargo é uma pequena curta-metragem de zombies que se tornou num fenómeno da internet, com milhares de visualizações no Youtube. Além disso, vem da insuspeita Austrália, território que não tem propriamente grande expressão dentro do género, o que chama duplamente a atenção. Por isso, não é de admirar que a primeira produção Netflix australiana seja uma versão longa de Cargo, assinada pelos mesmos realizadores, Ben Howling e Yolanda Ramke, e com um nome reconhecível como protagonista: Martin Freeman.

Estamos então no outback australiano. Martin Freeman, a esposa (Susie Porter) e a filha bebé seguem num barco, mais ou menos à deriva, enquanto discutem sobre os próximos passos a tomar. Nunca saberemos com exactidão o que se passou, mas desde logo entendemos que há uma ameaça em terra, que torna a vida em terreno sólido mais perigosa. Mas é preciso ir buscar comida e pensar no futuro da mais pequena.

Já todos percebemos que há zombies por todo o lado e um vírus à solta. E, spoilers à parte, Martin Freeman vai ficar sozinho com a filha bebé às costas – a carga  do título, ‘tão a ver? -, e 48 horas para a deixar num lugar seguro. É que também ele foi mordido por um infectado e aqui, ao contrário da maioria dos filmes do género, a transformação não é instantânea e demora dois dias a acontecer.

Tal como nos filmes de George A. Romero – e, verdade seja dita, em todos os filmes de mortos-vivos de jeito -, os mortos-vivos são apenas uma porta de entrada para falar de coisas mais sérias. Neste caso, Carga é uma metáfora para reflectir sobre o mundo que estamos a matar aos poucos, sem pensarmos muito bem que este é o único que temos e como é que o vamos deixar aos nossos filhos e netos. E, como estamos na Austrália, Ben Howling e Yoland Ramke também aproveitam os aborígenes (especialmente a partir da personagem da debutante Simone Landers) para montarem uma dicotomia entre civilização e ruralidade, ciência e magia, racionalidade e misticismo, modernidade e ancestralidade.

Tal como em The Walking Dead, há em Carga muita caminhada. Esses momentos servem essencialmente para três coisas: a) para reflectirmos sobre a mensagem do filme; b) para aproveitar para meter uns planos de corte da paisagem australiana, de preferência filmados de drone; e c) para irmos à cozinha buscar algo para comer, porque de certeza que não vamos perder nada de importante durante esses momentos. Carga é assim um survivor movie em cenário apocalíptico, que pela fórmula pai+filho, nos lembra de A Estrada. Contudo, um e outro não podiam ser mais distintos. Enquanto esse era completamente desprovido de esperança, este é um filme sempre luminoso e com o brilho do happy ending (se bem que feliz dentro dos possíveis, claro) sempre nos olhos.

Cargo, a curta, não deixava de ser uma espécie de anedota bem montada. Ao estenderem-na até ao formato de longa, Howling e Ramke tiveram que lhe dar um contexto e um subplot para justificar a longa-duração. É certo que não conseguem escapar à ideia de ser uma curta estendida para lá do necessário, mas também não passam para lá do tolerável. Obviamente que ter Martin Freeman à frente ajuda muito a justificar o Cheeseburger, não é?

Título: Cargo
Realizador: Ben Howling & Yolanda Ramke
Ano: 2017

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