| CRÍTICAS | Gilda

Gilda, realizado por Charles Vidor em pleno código Hays, deve ter sido uma dor de cabeça para os censores. Com tanta tensão sexual acumulada, diálogos picantes nas entrelinhas e sugestões subversivas de sexo de todas as formas e feitios (e já nem me refiro à tensão homossexual entre os protagonistas masculinos, já que esta é mais discutível), os tipos devem ter tido um esgotamento nervoso e dito um ‘safoda, deixando o filme passar sem concessões. Só isso pode explicar um argumento tão… picante.

Gilda é, portanto, um filme com uma grande carga sexual, metade dela pousada nos ombros de Rita Hayworth, completamente deslumbrante. Perto do final, quando canta Put the blame on Mame e retira as luvas, a coisa transforma-se num striptease sensual e derrama líbido por todo o lado, com um efeito mais devastador do que se tivesse tirado a parte de cima. No entanto, a femme fatale de Hayworth é, provavelmente, a mais perturbada de todo o cinema noir americano. Mas vamos por partes.

Gilda é uma espécie de Casablanca, mas na Argentina e com um casino ilegal em vez de um bar, gerido por Gilda. É aqui que confluem uma série de tipos sem passado, à procura de recomeçarem as suas vidas, das mais variadas proveniências: alemães nazis na ressaca da Segunda Guerra Mundial, franceses fugitivos ou americanos trafulhas. Um destes é Glenn Ford, jogador profissional, que fica a trabalhar para George Macready. E Rita Hayworth é o terceiro vértice de um triângulo romântico que se forma, depois de se ter casado com o primeiro, apenas para arreliar o segundo.

A primeira metade de Gilda é trepidante. Décadas antes do Casino, de Scorsese, tivemos este antro de jogo ilegal de Charles Vidor, com agiotas, batota e negócios obscuros camuflados pelo jogo, que é apimentado pela relação entre Ford e Hayworth, que levam a química screwball até outro nível. No entanto, a partir de metade, as coisas alteram-se e não necessariamente para melhor.

Primeiro que tudo, o filme é claramente longo a mais, com quinze minutos desnecessários. Depois, a personagem de Rita Hayworth parece alterar-se de forma radical. O que começa por ser uma mulher emancipada e com uma vontade indómita, acaba submissa pelo homem que ama e com um comportamento, no mínimo, duvidoso. Isso acaba por se reflectir no próprio filme, que parece não saber muito bem que mensagem quer passar. Gilda é, então, uma espécie de filme que se parte ao meio. Depois de um arranque com toda a força, vai perdendo embalagem até se tornar num McChicken, que mesmo assim perpetua Rita Hayworth no seu mais memorável trabalho.Título: Gilda
Realizador: Charles Vidor
Ano: 1946

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