| CRÍTICAS | A Queda

No final dos anos 90, tinha um colega de turma que tinha levado uma lavagem cerebral e tinha sido evangelhizado pela IURD. Não bebia, não praguejava, não fumava, não ouvia rock’n’roll e só dava beijinhos à namorada, porque estava à espera do casamento (true story, juro). Este meu colega foi ver A Queda e ficou fascinado tanto pelo filme como pelo tema principal, Time Is On My Side. Quando lhe disse que o tema que ele andava a cantarolar era dos Rolling Stones, o mundo dele entro em curto-circuito – afinal tinha andado a pecar esses dias todos, ao gostar de uma música rock.

De facto, a inclusão de Time Is On My Side (na versão dos Stones, ou seja, a melhor) em A Queda, em jeito de mcguffin, é o melhor do filme. É o tema que nos indica a presença em cena do demónio e nos alerta para o perigo iminente, passando de mão em mão, numa metáfora assustadora de que o mal é algo facilmente transmissível. Mas qual demónio, perguntam vocês. Vamos lá então.

A Queda é a história do detective John Hobbes (Denzel Washington a fazer aquilo que sabe melhor, de polícia), que depois da morte na cadeira eléctrica de um serial killer que apanhou, continua a encontrar novos cadáveres. No entanto, o que de início poderia sugerir a entrada em cena de um copycat, revela-se algo mais… bizarro. Azazel é um demónio caído, que busca a queda da civilização e que, para isso, possui bandidagem. Além disso, decide vingar-se do polícia que o apanhou na vez anterior. É portanto Denzel Washington a entrar numa linhagem de outros polícias que também tiveram que enfrentar o paranormal, como Eddie Murphy, Chuck Norris e Arnold Schwarzenegger (olá O Menino de Oiro, Polícia Demolidor e Os Dias do Fim, respectivamente).

O realizador Gregory Hoblit, que um ano antes tinha assinado aquela obra-prima subvalorizada que revelou Edward Norton e que se chama A Raiz do Medo (para nunca fazer mais nada de jeito), monta esta reflexão sobre a origem do Mal (não é por acaso que o herói se chama Hobbes, vide Thomas Hobbes) segundo os códigos do (neo)noir. A estrutura é a mesma de Crepúsculo Dos Deuses, começando pelo fim e depois recuando em flashback, narrado pelo protagonista. No entanto, substitui as sombras por fantasmas, dando-nos inclusive o ponto de vista do demónio, com uns planos subjectivos com os filtros do instagram, à medida de A Noite dos Mortos-Vivos.

Tudo isto funciona muito bem na teoria, mas depois na prática assenta num argumento algo frágil, com alguns plotholes, nomeadamemte um decisivo no desfecho do filme. Isso faz-nos ter sentimentos opostos em relação a A Queda: de um lado gostamos das suas intenções e do seu caderno de encargos; por outro, não gostamos por aí além da sua aplicação. Nada que um McChicken não resolva.Título: Fallen
Realizador: Gregory Hoblit
Ano: 1998

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