| CRÍTICA | Vida Privada

Há um tema incrível do Otis Redding (não o são todos?), que diz I’ve been loving you too long to stop now. Richard (Paul Giamatti) e Rachel (Kathryn Hahn) estão um pouco assim, em Vida Privada, mas em relação à gravidez. Estão há tanto tempo a tentar ser pais (já experimentaram técnicas de fertilização, adopção…) que já não têm a certeza se o estão a fazer porque realmente o querem, porque devem ou porque já passaram aquele ponto em que agora já só vale a pena ir até ao fim.

É esta a premissa de Vida Privada, o regresso de Tamara Jenkins à realização 11-onze-11(!) depois de Os Savages. E é um filme bem mais complicado, profundo e complexo do que parece à superfície. É que, à primeira vista, dá a impressão de ser um simples drama circunstancial e psico-existencial à Woody Allen, mas com um je ne se quoi de Mike Nichols e as suas crónicas de costumes.

Mas Vida Privada é também um filme a passagem do tempo. Principalmente sobre envelhecer – Giamatti e Hahn são já quarentões e o relógio biológico parece fazer tique taque cada vez mais depressa, apertando igualmente a pressão social. Pressão social é exactamente o mesmo que Sadie (Kayli Carter) sente para cumprir todos os degraus que um adulto deve vencer (escola < universidade < trabalho < casamento < família) e, por isso, vai refugiar-se na casa dos “tios fixes”, que de certa forma a entendem.

E, finalmente, é um filme também sobre um tempo que já não volta. A de uma certa Nova Iorque que, entretanto, foi idealizada, gentrificada e regurgitada pelo capitalismo desenfreado que tudo assimila e normaliza. E aquelas pessoas pertenciam a esse antes, enquanto que a sua incapacidade em conceberem os tornam, simbólica e figuradamente, desadaptados naquela cidade que já foi a deles e que agora os parece também rejeita.

É fácul fazer um filme assim quando se tem Paul Giamatti no elenco, actor perfeito para incarnar a frustração reprimida que todos aguentamos bem lá no fundo. O único que lhe fazia frente era Philip Seymour Hoffman, que, por acaso, também trabalhou com Tamara Jenkins, no já citado Os Savages. E, com isso, Vida Privada passa num instantinho. Terminamos o McBacon e até nos esquecemos de tomar o prozac da noite, enquanto ficamos a pensar porque Tamara Jenkins demorou tanto tempo para voltar a fazer um filme.

Título: Private Life
Realizador: Tamara Jenkins
Ano: 2018

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