| CRÍTICAS | Mandy

When I die, bury me deep,
lay two speakers at my feet,
wrap some headphones around my head
and rock and roll me when I’m dead.

Para entender Mandy (não o filme em si, porque não há propriamente muito sentido nele, mas a ideia por trás dele), há que prestar atenção a esta epígrafe que abre o filme e ao anterior trabalho do realizador Panos Cosmatos, Beyond the Black Rainbow. Costamos gosta de rock’n’roll e de seitas new age. Por isso, o filme tem citações como esta aos Grateful Dead, mas também ao Neil Young (ou será ao suicídio de Kurt Cobain?) ou a bandas de metal céltico, e é sobre cultos manhosos, trips alucinadas e até tem o líder de uma cena dessas, a EnlightenNext, no elenco (e Linus Roache até faz de… líder da seita). Por isso, se tivessemos que descrever Mandy, diríamos que é uma espécie de versão cinematográfica do universo dos Man-o-War.

A premissa de Mandy é a de um vengeance movie de série b, daqueles que continuam a se inspirar infinitamente no Fonte da Virgem: um madeireiro vai vingar-se dum culto marado que lhe queimaram a mulher numa pira. É só isso. Ou seja,coisa que dá para uma hora e pouco de festim gore e muita badalhoquice sensacionalista. Mas Panos Cosmatos vai enfiar tudo num embrulho new age e quase cabalista, com referências ao universo rock (do prog-rock dos King Crimson à série Heavy Metal, com animações pelo meio e tudo), ao giallo italiano (é tudo vermelhão-sangue à Dario Argento) e a décadas de cinema de terror (do Massacre no Texas ao Sexta-Feira 13, há de tudo um pouco). Nicolas Winding Refn não teria feito melhor.

Mas a chave para entender tudo isto é Alejandro Jodorowsky. Não há referências directas ao mestre chileno, mas Mandy é uma trip autêntica e sem drogas. Mergulha de cabeça nas tretas cósmicas da new age e é mesmo um bombom aos olhos, distendendo o ritmo do filme em algo que lhe valeu a descrição de pulp Tarkovsky, e ajudando a aceitar um filme que mistura lenhadores-justiceiros com machados épicos, motards-monstros, tigres e muitas chachada que nem sequer entendemos. Muitas vezes nem percebemos o que estamos a ver, mas é tudo feito com tanta convicção que temos a certeza que Cosmatos sabe muito bem o que quis fazer. E isso é meio caminho andando para gostarmos muito mais de Mandy do que de Só Deus Perdoa, por exemplo.

Nicolas Cage, que no meio de tanto lixo que vai fazendo lá se vai safando com um outro filme mais fora, tem aqui espaço para dar liberdade ao seu método espalhafatoso de que tanto gostamos, mas nem é por aí que Mandy vai ser recordado. As más línguas realçarão os diálogos camp, o pouco sentido do argumento e o ritmo devagar-devagarinho do filme. Por sua vez, as boas línguas (ou os optimistas, aqueles que preferem ver o copo meio-cheio), irão apontar a coragem do realizador, a originalidade e até o colocarão naquela tendência irritante que anda a marcar o cinema fantástico em 2018: o hipno-terror. Nós, que somos pessoas mais ponderadas e razoáveis, não vemos o copo nem muito cheio, nem muito vazio. Vemos um filme que merece, sem dúvida, uma tentativa, mas que não vale a pena forçar se lhe não estiver a entrar. A nós, mais do que um Cheeseburger, daria-nos uma paragem de digestão.Título: Mandy
Realizador: Panos Cosmatos
Ano: 2018

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *