| CRÍTICAS | The Unicorn

Jello Biafra, o icónico vocalista punk dos Dead Kennedys, disse certa vez sobre The Unicorn: é música saloia [tradução minha para hillbilly] lunática feita na Quinta Dimensão. Para quem não sabe do que estamos a falar, The Unicorn é um disco lançado em 1974 pelo artista underground Peter Grudzien e considerado como o primeiro álbum country gay de sempre. É uma edição de autor, muito procurada por coleccionadores de excentricidades musicais, que já teve umas reedições e que pode ser escutado no spotify na íntegra.

E quem é Peter Grudzien? Como é de esperar, era um músico country, gay e completamente marginal, com problemas mentais. Uma espécie de Daniel Johnston da música country. Aliás, podemos fazer o paralelo entre este The Unicorn e Loucuras de um Génio. No entanto, enquanto que este último é sobre a vida e a obra de Johnston, The Unicorn é sobretudo sobre o homem, Peter Grudzien, enquanto que a sua música é apenas mais um elemento da sua vida caótica. E um excelente tapete musical para o filme, até porque a jukebox é extensa. Diz o próprio que compôs ao longo da vida mais de 900 canções, todas elas gravadas em cassetes no quarto, que devem ser editadas por alguém caso este filme tenha relativo sucesso.

Peter Grudzien vivia então numa casa de onde os primos o tentavam convencer a mudar-se para um lar, com o pai autoritário de 99 anos no primeiro andar, mas com quem tinha muito pouca convivência. Isabelle Dupuis, que também sabia tanto ou menos que nós sobre a peça, começa a filmar sem saber muito bem no que vai dar o documentário e, no primeiro dia de filmagens, estamos na casa dele quando alguém surge à porta: Terry, a irmã-gémea ainda mais maluca, com a cara destruída por anos de cirurgia plástica, com fobia a sair à rua, mas com a estranha obsessão em encontrar um homem. De repente, já não queremos saber mais de Peter e o The Unicorn passa a ser sobre a mana.

Mais do que um documentário sobre música, sobre artistas marginais ou sobre o primeiro álbum de country abertamente gay, The Unicorn é uma parada de monstros. Um freakshow de bons selvagens, por quem criamos empatia desde logo. Mais tarde há de haver uma cena em que surge um amigo, Billy. A partir daí já não queremos saber nem de Peter nem de Terry. Billy tem uma atitude passivo-agressiva, faz bombas caseiras e começa a tentar convencer a realizadora a dar-lhe abrigo para a noite. Mas infelizmente nunca mais aparece. E nós queríamos tanto ver mais dele.

The Unicorn cobre três anos de vida de Peter Grudzien e depois do documentário ficamos com a sensação de que também nós nos tornámos amigos daquela gente. E esse é o maior trunfo do filme. Caso contrário, podíamos correr o risco de sentir algum tipo de aproveitamento daquela gente e aí não sei se quereríamos comer o McChicken que tenho aqui para terminar esta prosa.

Título: The Unicorn
Realizador: Isabelle Dupuis
Ano: 2018

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *