| CRÍTICAS | Três Cartazes à Beira da Estrada

“Ah e tal, eu não voto porque o meu voto não altera nada”.
“Não vou a manifestações porque não servem para nada”.
“Não apoio causas sociais porque diferença fará o meu apoio?”
Sempre que alguém vos atirar um destes argumentos esfarrapados para justificar a sua demissão da participação activa na sociedade, esfreguem-lhe o DVD de Três Cartazes à Beira da Estrada nas ventas em vez de ficarem só a chorar por dentro. Talvez assim essas pessoas passem a perceber como a acção de uma só pessoa que seja pode criar um efeito brutal de comunidade.

No entanto, reconheço que Três Cartazes à Beira da Estrada possa criar logo à partida alguns anti-corpos. Drama social feito à medida para os Oscares, arrisca-se a ter para nos oferecer muitos violinos, tearjerker e/ou bandeiras desfraldadas. No entanto, se ainda não viam e teme que isso aconteça, podem ir à confiança. Três Cartazes à Beira da Estrada não é o milésimo filme que vos vai tentar ensinar de forma condescendente que ser racista ou mau para os outros meninos é errado.

Aliás, em Três Cartazes à Beira da Estrada ninguém sai ileso. Toda as personagens têm áreas de sombra, com comportamentos duvidosos, seja o xerife honesto e bem-intencionado (Woody Harrelson), mas qe teima em manter em funções um polícia racista e violento (Sam Rockwell); seja esse mesmo polícia, sempre à beira da redenção; ou seja a mãe da jovem violada e assassinada que tanto quer mante ro caso bem vivo na memória colectiva que não tem pejo em incendiar património público e colocar em risco a vida de cidadãos inocentes. O único que sai incólume acaba por ser o anão lã do lugarejo (Peter Dinklage), que é vítima de bulling constante e ainda tratado com paternalismo por Frances McDormand. E ele nem sequer tinha que lhe segurar na escada…

Frances McDormand é então a mãe da tal jovem que, num misto de luto e de raiva, coloca três outdoors numa estrada a questionar a inacção da polícia. A decisão divide as pessoas, entre as que a apoiam e as que discrdam, por ser injusta para com o xerife. O que é certo é que aquela decisão vai despoletar o mote de Três Cartazes à Beira da Estrada que, ao contrário do que parece, não tem nada de filme de crime ou algo que se pareça.

Três Cartazes à Beira da Estrada é assim uma tragédia à beira da redenção, num filme bem mais complexo do que estamos habituados neste tipo de drama. É um filme de argumentista, se bem que Martin McDonagh, que acumula a escrita com a realização, não se limita a ilustra-lo. Há, por exemplo, um plano-sequência longuíssimo que inclui Caleb Ladry Jones a ser atirado da janela que merece menção em qualquer lista dos melhores planos-sequência de sempre. E, no sentido inverso, há toda uma cena em visão subjectiva, com uma ligadura em frente aos olhos, que não parece sequer pertencer a este filme.

Também por ser um filme sulista, há por aqui ecos de um Clint Eastwood engajado ou dos irmãos Coen. Mas neste último caso, pode ser só impressão causada pela presença de Frances McDormand. A actriz de Fargo está numa fase da carreira que é ideal para representar papeis destes, de mães coragem à Dona Dolores, mas com cara de quem já não muita paciência para merdinhas. Bem secundada por Woody Harrelson, a envelhecer também cada vez melhor, é em Sam Rockwell que, no entanto, encontramos o maior destaque. São personagens cheias, a quem os actores podem afiambrar o dente.

No final, McDonagh ainda tem a desfaçatez de encerrar o filme em aberto, como aqueles títulos do John Ford sobre a comunidade norte-americana ameaçada (olá O Vale era Verde). O McRoyal Deluxe de Três Cartazes à Beira da Estrada lembra-nos assim que Hollywood, dantes, fazia estes filmes com uma perna às costas e, por isso, quando os apanhamos hoje em dia ficamos surpreendidos, mais pela sua raridade do que propriamente pela sua qualidade.
Título: Three Billboards Outside Ebbing, Missouri
Realizador: Martin McDonagh
Ano: 2017

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