O epíteto de um dos maiores actores de sempre é tão antigo e tão consensual, que já nos habituámos a nem sequer o contestar. No entanto, há muitos anos que Al Pacino anda a viver dos créditos acumulados de uma carreira já de si longa. E se nos pusermos a tentar perceber donde vem todo esse consenso corremos o risco de não o perceber, tendo em conta essa filmografia recente de Pacino. Por isso, por vezes vale a pena recuar no tempo e recuperarmos essa memória e as razões pelas quais consolidaram o estatuto do norte-americano no Olimpo da representação.
Apesar de já ter feito O Padrinho, Al Pacino ainda era um jovem relativamente desconhecido quando filmou Serpico, a história real de um polícia que denunciou a corrupção que existia entre os agentes de Nova Iorque. E foi precisamente a partir desse filme de Sidney Lumet que a sua carreira nunca mais foi a mesma.
Frank Serpico é considerado amiúde um dos grandes heróis da história do cinema, pelo seu exemplo de honestidade e integridade. Contudo, apesar de Serpico se inserir naquela tradição do filme-denúncia que teve o seu tempo nos anos 70, é muito mais do que a história de um super-homem nietzschiano. É antes a história de um ser humano com todas as suas contradições e como essa demanda influenciou e afectou as suas relações amorosas, de amizade e as profissionais com os seus colegas.
É um filme que roda todo ele à volta de um eixo, que é Al Pacino, e que vai evoluindo ao longo dos anos com o seu bigode ridículo, barbas hippies e uma colecção de chapéus de gosto duvidoso. Mas Sidney Lumet também sabe como o fazer, filmando com um ritmo alucinante que não deixa ninguém descansar e fazendo deste filme um elo de ligação simbólico entre o cinema clássico de Hollywood e o novo cinema que aí vinha, personificado pelos movie brats, um cinema com cérebro, verve e consciência moral. Infelizmente, há uma parte mais fraca em toda esta equação e é Mikis Theodorakis, o autor da banda-sonora, totalmente kitsch a sublinhar a traço grosso um filme que de óbvio e declarado não tem nada.
É curioso como o filme que rompeu de vez entre a Hollywood de outrora e a nova Holywood tenha sido realizado por Sidney Lumet, cineasta que, além de vir da televisão, esse suporte menor, também não era propriamente um jovem ou um novato. Três anos antes, Serpico antecipava Taxi Driver. Um McBacon que é uma lição de cinema e de história do cinema.
Título: Serpico
Realizador: Sidney Lumet
Ano: 1973