What we’ve got here is… failure to communicate.
Some men you just can’t reach.
So you get what we had here last week, which is the way he wants it…
…well, he gets it.
I don’t like it any more than you men.
É este monólogo que inicia Use Your Illusion II, a segunda metade da obra-prima dos Guns n’ Roses e um dos álbuns da minha infância. Desde a primeira vez que as ouvi que estas palavras sempre me fascinaram. E, por isso, enquanto não vi o filme de onde elas tinham sido retiradas não descansei.
Assim, pouco tempo depois, lá consegui ver O Presidiário. E foi uma revelação! Foi este filme que me disse que havia mais cinema para lá dos anos 90, uma vez que até aí vivia com o complexo de que o cinema anterior à década em que vivia era todo ingénuo, demasiado teatral e narrativamente pouco interessante. De facto, O Presidiário é um dos filmes que faz a transição entre o cinema dos anos 60 e o dos anos 70 – uma ponte entre o cinema clássico e a contemporaneidade.
Paul Newman é bem possível que seja um dos três grandes actores de todo o sempre. Tivesse tido um pouco mais de sorte e ter sido escolhido por Elia Kazan no casting para A Leste do Paraíso e talvez hoje ninguém se lembrasse de James Dean. E em O Presidiário, Newman mostra que poderia muito bem ter sido o rebelde sem causa de toda uma (várias) geração. Aliás, em Fúria de Viver, James Dean era apenas um miúdo com muito estilo, chateado com o estilo de vida condescendente que o rodeava. Em O Presidiário, Paul Newman é um rebelde a sério: sem causa, mas com personalidade. Um tipo aborrecido com a vida, com a opressão das regras e a castração da liberdade. Um indivíduo que quer viver a vida dia-a-dia, sem planos e sem regras.
Assim, quando acaba por ir parar a uma prisão de trabalhos forçados, Paul Newman (ou melhor, Luke) vai ganhar automaticamente o respeito dos restantes detidos, pelos seus calmos modos (sim, foi uma tentativa patética de traduzir cool hand), a sua determinação e a sua força de vontade. Claro que, paralelamente, Luke vai fomentar também o desdém dos guardas prisionais.
Luke é então o modelo a seguir naquela prisão, que ajuda o tempo a passar e provoca os seus superiores. Mas quando o cruel capitão da prisão (Strother Martin, o tal que alega, com a sua voz enfemininada, que há entre eles um problema de comunicação) o envia, injustamente, para uma noite na solitária, Luke revolta-se e vai tentar fugir. Os guardas tentam humilhá-lo, torturá-lo e espezinhá-lo. Mas Luke está determinado em fugir. Não porque quer ser livre, mas porque pode ser livre.
É por isto que O Presidiário tem muito pouco a ver com os filmes de evasões, como A Grande Evasão – deve antes muito mais a Polícia Sem Lei, por exemplo, porque cria ao mesmo tempo, uma alegoria entre a personagem de Paul Newman e Jesus Cristo – um homem que não entende o que Deus quer de si e que prefere confrontá-lo para que ele o odeie e deixe em paz. É como dizia o poeta, sou ateu, mas venero o Diabo apenas para poder desdenhar de Deus. São iconográficas a cena em que Paul Newman fica prostrado na posição da cruz quando come os 50 ovos cozidos(!), ou a traição final do seu colega, que o entrega à polícia, qual Judas Iscariotes. Nascia assim o “anti-herói” na sétima arte.
Magistral é também a forma como o realizador Stuart Rosenberg consegue concentrar toda a fonte de maldade na temível figura do chefe Godfrey (Morgan Woodward), mais propriamente nos seus raybans espelhados, constantemente captados em grandes planos que fazem lembrar um Leone a filmar os Clint eyes. O Presidiário é um filme quase perfeito – tem a banda-sonora perfeita, um Paul Newman perfeito e até tem um Dennis Hopper novinho num papel quase insignificante. Quase quase perfeito, como um Le Big Mac.Título: Cool Hand Luke
Realizador: Stuart Rosenberg
Ano: 1967