Cristopher Nolan atingiu aquele estatuto que o faz agora ser amado ou odiado. Por um lado, conseguiu a aclamação da crítica e do público em geral, cruzando em igual doses entretenimento e Cinema (assim mesmo, com letra maiúscula); por outro lado, um certo tipo de crítica (está tudo a pensar naquele senhor do Público, não é?) não perdoa o facto de um realizador de filmes de super-heróis andar nas palminhas de muito boa gente respeitável. Esse mesmo senhor do Público diz que o que parece bom em Nolan não é mérito seu, mas demérito da maioria do cinema de massas. O que, reconheço, tem uma certa razão. Mas ei, e se eu vos dissesse que Nolan (e Dunkirk em particular) não tem que ser necessariamente uma obra-prima nem uma treta e pode ser simplesmente… bom?
Dunkirk é então um épico de guerra para acabar com todos os épicos de guerra, sobre a famosa batalha de Dunquerque, na Segunda Guerra Mundial. Milhares de soldados ingleses estavam literalmente encurralados nessa praia francesa à espera de um milagre, enquanto as forças alemãs ganhavam terreno de hora para hora, os seus aviões praticavam tiro ao alvo a seu bel-prazer e a evacuação parecia cada vez mais um milagre. Mas este aconteceu mesmo! E isto nem sequer é um spoiler, porque é História. E, além disso, já tinha dado filmes anteriores, como este A Epopeia de Dunquerque.
Mas Dunkirk é pouco um war movie e muito um survival movie. E um filme de sobrevivência levado ao extremo, como um Apocalypto, por exemplo. Numa estrutura de filme-mosaico, seguimos a tentativa de fuga da praia de três jovens soldados (entre eles Harry Styles, esse mesmo, o da boys band One Direction), a missão aérea de dois pilotos de spitfires (entre eles Tom Hardy, novamente a passar o filme todo de máscara à Bane) e o resgate que uma família civil enceta no seu barco de recreio (onde está um mui interessante Barry Keoghan e, pelo meio, junta-se à festa Cillian Murphy), em demandas completamente desprovidas de qualquer pingo de esperança. O filme é tão descarnado que, na maior parte das vezes, chega mesmo a raspar no osso. E essa é a altura em que dói mais.
Quase sem diálogos (Tom Hardy é capaz de ter menos falas aqui do que tinha em Mad Max – Estrada da Fúria e sabemos que isso não era fácil), Nolan torna o sofrimento dos seus heróis na nossa própria frustração. E a fotografia hiper-estilizada de Hoyte Van Hoytema ou a banda-sonora repetitiva de Hans Zimmer (cheia de violinos e drones) ajudam a aumentar o sofrimento dos bombardeamentos ou a fazer de Titanic, perante estas sequências de afundamento dos barcos (e afogamento dos soldados), uma comédia para toda a família. Dunkirk chega mesmo a ter laivos de poesia, naquela sua metáfora pelos elementos a Natureza (a demanda pelos ares em oposição à pela terra e a pelo mar), que lembra um Terence Mallick mais modesto (olá Barreira Invisível, como estás?).
Esta é a parte boa de Dunkirk. O problema é que depois Cristopher Nolan joga a carta da esperança. E aí começa a manipulação sentimental do espectador e começamos a topar todos os truques e mais alguns: a banda-sonora de Hans Zimmer sobrepõe-se ao filme e aquele tique-taque torna-se ridículo e irritante, os planos enchem-se daqueles filtros azuis e laranjas dos anúncios da moda, carregadinhos de flares, e o tearjerker lamechas alaga os poucos espaços em branco que a atitude expansiva de Nolan não conseguiu cobrir. É certo que a batalha de Dunquerque foi um momento decisivo na Segunda Guerra Mundial – uma vitória moral que ajudou a galvanizar os Aliados para o último remate da guerra – e que os filmes também podem ser felizes, mas a xaropada final quase hipoteca o que Dunkirk tem de bom. Podia ser uma obra-prima, mas é apenas um McBacon.Título: Dunkirk
Realizador: Cristopher Nolan
Ano: 2017