| CRÍTICAS | Manchester by the Sea

E se Ben Affleck afinal fosse melhor realizador do que é actor? E se o verdadeiro talento na representação da sua família fosse o seu irmão, Casey? Seria alto mindfuck. Alguém devia fazer um filme sobre isso. Com Ben Affleck a realizar. E Casey Affleck a fazer dos dois irmãos. Talvez isso explique isto.

Para já isto não passa apenas de uma teoria, mas Ben Affleck tem vindo a construir uma filmografia como realizador bem sólida e interessante. Parecia vir agora ter o teste de fogo com o próximo filme do Homem de Aço (e do Homem-Morcego), mas como não aguentou a pressão e saltou do barco, vamos ter que adiar esta conclusão. Por sua vez, no caso de Casey Affleck, basta ver este Manchester by the Sea para termos a certeza que temos aqui actor. Independentemente de levar ou não para casa o Oscar de melhor actor.

Manchester by the Sea é então a história de Lee (Casey Affleck), um tipo que está morto por dentro – vive uma vida cinzentona com um emprego de merda e uma casa minúscula, a sua única diversão é o álcool e as lutas que provoca nos bares. E mesmo que as miúdas se atirem descaradamente a ele, não parece estar para aí virado. Percebemos que qualquer tragédia pessoal o deixou assim (e não vamos estar preparado para ela quando nos contam, mesmo com este alerta), mas o passado vai sendo revelado aos poucos e poucos, em pequenos flashbacks que surgem de forma muito elegante ao longo do filme.

 

Entretanto, outra tragédia abate-se. O seu irmão morre e o seu filho adolescente, Patrick (genial Lucas Hedges, a fazer uma óptima parelha com Affleck), fica ao seu cuidado. De repente, há duas novidades na vida de Lee e nenhuma delas é boa: a responsabilidade de cuidar de alguém (e a relação entre o tio e o sobrinho vai ser o pilar onde assenta toda a estrutura do filme) e o regresso à sua Manchester natal. E a cidade é, ela própria, uma personagem fundamental em Manchester by the Sea, especialmente na forma como ajuda a marcar o tom e o ambiente da história. Esta Manchester não é como a congénere inglesa, é antes um lugarejo portuário onde parece estar sempre frio. Tanto frio que passamos o filme todo a bater o dente. É como se Manchester by the Sea fosse um filho bastardo entre o realismo social briitânico e aqueles dramas gelados nórdicos, cunhados por Ingmar Bergman.

Manchester by the Sea é um filme duro, daqueles que podia trazer logo um pacote de lenços de papel quando compramos o bilhete de cinema. E, no entanto, não precisa de forçar o teajerker em melodramas esfarrapados, porque tem personagens de carne e osso e um argumento que não os toma (e a nós, espectadores) por estúpidos. Aliás, podemos compara-lo por exemplo a Lion – A Longa Estrada par Casa, que também está nomeado para esta edição dos Oscares e que é um manipulador desenvergonhado, que está sempre a tentar dizer-nos onde chorar e onde sorrir.

Ali pelo meio, há uma altura em que parece que Manchester by the Sea vai perder o controle e resvalar para a berma. Mas é apenas um ameaço, já que logo a seguir o realizador Kenneth Lonergan reforça o meio-campo, volta a ter mais posse de bola e recupera o domínio do jogo. E no final basta vermos Casey Affleck a esboçar pela primeira vez em todo o filme uma espécie de sorriso para termos um final feliz como deve ser, sem ser necessário ir tirar a faca e o alguidar da despensa. Um consistente, mas exigente McRoyal Deluxe.Título: Manchester by the Sea
Realizador: Kenneth Lonergan
Ano: 2016

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