| CRÍTICAS | Peregrinação

Depois de O Livro do Desassossego e de Os Maias, João Botelho atirou-se de unhas e dentes a outros título fundamental da literatura nacional, mas que talvez não receba actualmente o carinho que merecia: Peregrinação, de Fernão Mendes Pinto, uma espécie de versão aventureira de Os Lusíadas. De facto, Peregrinação é várias coisas ao mesmo tempo: livro de aventuras, literatura de viagens e, acima de tudo, um relato do Portugal no auge da sua expansão marítima. O livro é tão incrível que durante anos e anos foi tido como fantasioso. Até havia a piada com o seu nome: Fernão mentes? Minto!

Peregrinação de João Botelho decorre então em dois planos temporais: na actualidade, ou seja, algures entre 1569 e 1578, altura em que o autor (encarnado por Cláudio da Silva) escreveu o livro, e o vai contando, sempre com relatos muito entusiasmados, a várias pessoas que o encaram como delírios: as filhas, a esposa, os amigos… E a própria viagem de Fernão Mendes Pinto, desde a saída para a Índia, em 1537, e depois ao longo de 21 acidentados anos pelos territórios da Birmânia, Sião, arquipélago de Sunda, Molucas, China e Japão, onde foi feito prisioneiro, escravo, vendido, resgatado, tornado pirata ou jesuíta.

Peregrinação poderia ser então o Piratas das Caraíbas português, uma vez que passa grande parte do tempo em alto mar, muitas vezes sob o ataque de piratas – e porque Cláudio da Silva, voluntária ou involuntariamente, tem muitas parecenças com Jack Sparrow. No entanto, João Botelho mantém-no atrelado à palavra e ao discurso quase integral do livro, o que o torna desde logo de difícil de acompanhar. E depois há as limitações do orçamento, apesar dos green screens de grande dimensão e filmagens na Ásia que tiram alguns planos de uma beleza natural incrível (incluindo momento à BBC Vida Selvagem, com dragões de komodo e raias voadoras).

Se Botelho consegue ir encadeando bem as duas realidades temporais de forma, por outro lado as aventuras de Fernão Mendes Pinto parecem limitar-se a saltar de episódio em episódio, sem grande fio condutor entre si, como se fossem apenas meros flashbacks de uma narrativa oral. Bem mais interessante é a opção em colocar os companheiros de aventura de Fernão Mendes Pinto a cantarem os temas do Por este rio acima, a obra-prima musical do Fausto que é baseada também na obra, como se fossem um coro grego.

Peregrinação são vários filmes num só. Falta-lhe a amplitude épica de um Non ou a Vã Glória de Mandar, mas também lhe falta uma maior desenvoltura e menor rigidez no filme de aventuras e de swashbuckler. É certo que existem belos momentos, especialmente quando Botelho filma o Japão, com a luz recortada e os planos coreografados como pinturas impressionistas, mas o Double Cheeseburger sabe, essencialmente, a oportunidade perdida de fazer um grande filme português de época. 

Título: Peregrinação
Realizador: João Botelho
Ano: 2017

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