| CRÍTICAS | Rambo – A Última Batalha

É curiosa a evolução da personagem de John Rambo no grande ecrã. De símbolo da desumanização da guerra em geral e símbolo anti-Vietname em particular, Rambo transformou-se na bandeira da direita Reaganiana em apenas três filmes, incarnando na perfeição o papel norte-americano de polícia do mundo. E agora, apenas mais dois filmes depois, Rambo completa a mutação e inscreve-se na mitologia americana, com chapéu e cavalo de cambio e tudo.

Por isso, quando em Rambo – A Última Batalha são os mexicanos os maus, é impossível não fazer uma leitura política do filme. Independentemente de ter sido uma escolha inocente ou não, não há como não fazer um mega facepalm. Ainda por cima porque há vários planos da parede (essa mesma, assim em itálico), que ecoam de forma assustadoramente real a alt-right.

O Rambo deste quinto episódio da série está então refugiado no Arizona, onde treina cavalos e vive num sistema de túneis gigantescos debaixo de uma fazenda. Porquê? Ninguém sabe. Mas que isso vai dar um jeitaço para derrotar os maus no final, vai mesmo! John Rambo vive com uma sobrinha e a avó desta, exercendo a sua figura paternal tranquilamente (já que os fantasmas do Vietname apenas se fazem sentir numa cena inicial, como se não fossem eles a matéria que molda toda a figura de Rambo), mas quando a miúda decide ir ao México tentar encontrar o pai fugido, toda a gente sabe onde é que o filme vai acabar. Rambo avisou-a: não vás, aquilo é perigoso. Toda a gente sabe que os mexicanos nascem logo com o bichinho da maldade lá dentro e, por isso, em menos de 24 horas, já Yvette Monreal foi drogada e arrastada para uma rede de prostituição e tráfico de mulheres.

Esqueçam então tudo o que sabem sobre o imaginário Rambo e sejam bem-vindos ao remake de Busca Implacável, mas com Sylvester Stallone em vez de Liam Neeson. E em modo torture porn. Se acharam que John Rambo já era demasiado violento, então preparem-se para o modo estupidamente violento: Sly a partir clavículas com as mãos, Sly a decapitar, Sly a mutilar, Sly a descarregar munições inteiras… E, no final, Sly a dar uso ao seu irónico arco e flecha. No fundo, há apenas três coisas que fazem a ponte este este episódio e os quatro filmes anteriores: o nome John Rambo; esse arco e flecha; e o subtítulo, Last Blood, que é, de longe, o melhor de Rambo – A Última Batalha.

Rambo – A Última Batalha tenta manter uma economia de série b, mas confunde simplicidade com xingaria. O argumento é do mais esquemático possível: Rambo vai ao México e leva na boca; recupera; regressa e atrai os bandidos para a sua casa; mata todos e caminha de cavalo em direcção ao sol poente. Sim, é literal: há mesmo uma cena a galope em direcção ao pôr-do-sol, qual western qual quê. Lá pelo meio aparece a Paz Vega, uma “jornalista independente”, mas rapidamente desaparece; os maus são dois irmãos, com uma estranha dinâmica entre eles de uma rivalidade reprimida, mas que não dá em nada porque rapidamente um deles aparece sem cabeça (cortesia John Rambo); e o final, com os maus a serem decepados um a um nos túneis de Rambo (ao som dos Doors, caso nós não percebêssemos a ligação ao Vietname), faz lembrar a versão hardcore de Sozinho em Casa. Tudo demasiado patético para ter algum crédito. Um Happy Meal que não dignifica em nada o ocaso deste ícone do cinema de acção.

Título: Rambo – Last Blood
Realizador: Adrian Grunberg
Ano: 2019

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