| CRÍTICAS | Ensaio sobre a Cegueira

José Saramago tem em Ensaio sobre a Cegueira, Intermitências da Morte e Ensaio sobre a Lucidez uma trilogia bastante cinematográfica, que gritam adaptação ao cinema por todos os lados. No entanto, de todos os livros do Nobel que já chegaram ao grande ecrã, destes três títulos apenas o primeiro é que convenceu os executivos. Talvez porque já há um episódio de The Storyteller bastante semelhante ao Intermitências da Morte.

Ensaio sobre a Cegueira tem uma premissa muito simples. E, no entanto, tremendamente eficaz: um dia, sem qualquer aviso prévio ou explicação plausível, as pessoas começam a cegar. Só que esta é uma cegueira branca, ao contrário das trevas que nos inundam quando fechamos os olhos. Talvez esse aparente irrelevante pormenor seja mais simbólico do que pensamos.

Ao contrário do livro, o filme do brasileiro Fernando Meirelles apressa bem rápido as coisas neste estádio inicial, levando as suas personagens para uma instituição onde vão ficar isolados, de quarentena. É um herói colectivo, que inclui um médico (Mark Ruffalo), a mulher deste (Julianne Moore), uma prostituta (Alice Braga), uma criança (Mitchell Nye) e… o Danny Glover. Mas há um plot twist: Julianne Moore nunca chega a cegar, se bem que poucos o vão saber. E, como diz o ditado, em terras de cego quem tem olho é rei.

O que vai então acontecer é uma espécie de O Senhor das Moscas. E como a boa parábola que é, ninguém em Ensaio sobre a Cegueira tem nomes, todos eles respondem pelo arquétipo que são: o médico, a prostituta… é através deles que se vai criar a nova ordem sociais, naquele microcosmos que é um reflexo do macrocosmos que José Saramago queria ilustrar, no ténue balanço entre a solidariedade e o confronto.

O que vai acontecer não é bonito de se ver. Ensaio sobre a Cegueira é um processo lento de desumanização, uma queda vertiginosa no lado mais negro do ser humano quando este se vê desamparado das regras mais básicas de organização social. E, no entanto, parece sempre que Fernando Meirelles nunca tem unhas para tocar esta guitarra.

Primeiro é o ambiente multicultural do filme, com um elenco multi-étnico e filmado em quatro países sem qualquer elemento identificativo (uma exigência de Saramago) que deixa o filme algo desamparado, sem uma âncora que lhe dê porto seguro. E depois é o estilo asséptico do filme, com Meirelles a abusar dos brancos e dos planos totalmente queimados pela luz – era uma cegueira branca, lembram-se? -, que contrasta com toda a sujidade, porcaria e miséria (literal e simbólica) que se vai acumulando.

Ensaio sobre a Cegueira é a mais ilustre das adaptações cinematográficas de José Saramago, mas não é a melhor. É apenas um McChicken, enquanto que a de O Homem Duplicado, de Dennis Villeneuve, é beeeeem mais saborosa.

Título: Blindness
Realizador: Fernando Meirelles
Ano: 2008

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