| CRÍTICAS | Sangue Selvagem

Weyes Blood, que tem carreira a solo, mas que eu gosto mais enquanto baixista dos Jackie O-Motherfucker, foi buscar o seu nome artístico a Wise Blood, o primeiro romance de Flannery O’Connor, uma das mais importantes vozes literárias norte-americanas e rainha do gótico sulista. O que pouca gente se lembra é que também John Huston, um dos mais especiais nomes de Hollywood, era fã do romance e que o levou ao grande ecrã, adaptando-o quando já tinha 73 anos, naquele que é o mais esdrúxulo dos seus filmes enquanto realizador.

Sangue Violento é a história de Hazel Motes (Brad Dourif), um veterano que acaba de chegar do Vietname. Vem com uma pensão de invalidez, mas nunca mostra a lesão, porque tem vergonha de dizer onde é que foi atingido. No entanto, também parece vir um pouco tolinho da cabeça. Afinal de contas, já todos vimos war movies suficientes para saber como é o processo de desumanização da guerra e isso não nos surpreende.

Hazel decide então viver uma vida sem qualquer crença, porque está convencido que não existe qualquer Deus. No entanto, o seu niilismo tem quase a forma de um humor absurdo, já que decide fundar a Igreja Sem Cristo, pregando nas ruas a sua verdade, ao mesmo tempo que procura um novo cristo que possa ser o seu próprio redentor. Contudo, a vida não para de lhe pregar partidas e de lhe estar sempre a acenar com situações ou objectos crísticos, não lhe permitido uma redenção em condições.

Como qualquer gótico sulista, Sangue Violento está cheio de momentos bizarros e violência cruel – que inclui a múmia de uma criança(?) a quem retiraram todo o sangue e cozeram a boca -, mas John Huston não tem qualquer problemas em o cruzar com a comédia negra, especialmente com a figura de Enoch (Dan Shor), o outro tolinho sem-abrigo que fala com macacos e que se torna amigo de Hazel. No entanto, é Harry Dean Stanton que tem uma das personagens secundárias principais da trama, na pele de um pregador aldrabão que finge ser cego, e que funciona como uma espécie do outro lado da moeda de Hazel Motes.

John Huston filma Sangue Violento com grande liberdade formal. Começa por parecer querer fazer um gótico sulista típico, mas rapidamente se cansa e vai-se divertindo, explorando os códigos da comédia, os do absurdo ou os do melodrama religioso. Sangue Violento é o verdadeiro filme independente, décadas antes do indie se ter tornado num género. E por isso é, actualmente, um filme de culto. Não é muito melhor do que um Cheeseburger, mas em termos de simbolismo vale tudo isso e mais, muito mais.

Título: Wise Blood
Realizador: John Huston
Ano: 1979

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