| CRÍTICAS | Nightmare Alley – Beco das Almas Perdidas

Guillermo Del Toro tem construído uma das mais respeitáveis carreiras de Hollywood na actualidade, trabalhando das margens para o centro. Ou seja, partindo do cinema de género – o terror e o fantástico – com o intuito de abordar um corpo de obra comum, que tem como temas centrais a família e a redenção. No fundo, é aquilo que fez de Steven Spielberg o Steven Spielberg, as semelhanças são evidentes.

Depois de Crimson Peak – A Colina Vermelha, Del Toro volta a homenagear o film noir, desta vez refazendo o homónimo de 1974, O Beco das Almas Perdidas. O filme começa com Bradley Cooper a deixar para trás uma cabana em chamas, sem nunca olhar para trás. Não existe nada que diga começar de novo com mais força do que esta cena. E este é um momento tão forte e marcante na vida de Cooper, que há de regressar mais vezes ao filme, em formato de flashback, sempre com mais pormenores do que realmente aconteceu. Bradley Cooper é um homem em fuga e, como em qualquer noir que se preze, os fantasmas no armário amontoam-se.

Cooper acaba por se estabelecer num circo, local onde inesperadamente vai encontrar a sua vocação. É que ele é um hustler nato e, por isso, está sente-se como peixe na água nesta profissão feita de enganar as pessoas. É que apesar do ambiente ser o mesmo de A Parada dos Monstros (que o próprio Del Toro referencia), este circo não é tanto feito de freaks, mas antes de truques analógicos, que emulam electrocuções, decapitações e outras coisas acabadas em ões.

Nightmare Alley – Beco das Almas Perdidas são dois filmes num só e a primeira metade termina quando Bradley Cooper está pronto para seguir em frente. Aprendeu com os melhores tudo o que necessitava para ser um mentalista de sucesso e convenceu Rooney Mara a partir com ele, para fazerem vida e carreira juntos. Por isso, a segunda metade de Nightmare Alley – Beco das Almas Perdidas acompanha os dois em actuações pelos casinos norte-americanos, num cenário que é o completo oposto do circo e das aberrações. Estamos na alta roda da sociedade norte-americana, onde desfilam os milionários e o jet set local e onde, claro, os monstros são os humanos e não aqueles marginais do circo. Ou seja, o tema mais querido de toda a obra de Guillermo Del Toro.

É aqui que Cooper vai conhecer Cate Blanchett, uma psicóloga que o vai auxiliar a enganar parolos desesperados em acreditar no que querem ouvir e amealhar mais alguns dólares. De repente, temos Nightmare Alley – Beco das Almas Perdidas a entrar pela dicotomia psicologia vs mentalismo, algo que não estávamos à espera. E, tanto pela forma como pelo conteúdo, Nightmare Alley – Beco das Almas Perdidas acaba por ser um primo próximo de O Terceiro Passo, estando para a psicologia/mentalismo assim como este está para a ciência/magia.

Guillermo Del Toro filma tudo isto com uma elegância altamente estilizada, de quem tem muito dinheiro para estoirar, e isso acaba por ser o ponto baixo do filme, porque lhe retira qualquer conteúdo político. Olhamos para os seus melhores trabalhos, Nas Costas do Diabo e O Labirinto do Fauno, e de como a guerra civil ecoava nessas histórias de criaturas fantásticas, e percebemos como Nightmare Alley – Beco das Almas Perdidas nada tem a dizer neste campo. É certo que existem constantemente relatos sobre a segunda guerra mundial, que vai acontecendo ao longe, pela rádio, mas esta serve apenas para marcar a passagem do tempo e não como comentário social de qualquer forma. E que oportunidade perdida para falar sobre informação falsa nos dias que correm num filme sobre a arte de enganar o próximo a partir da leitura do outro. Alguém falou da disneyficação de Del Toro e não há como não concordar.

Sem estar propriamente ao nível dos seus melhores títulos, Nightmare Alley – Beco das Almas Perdidas é um Guillermo Del Toro vintage, que aprimora o seu corpo de obra com todos os elementos fundadores da sua filmografia. E, utilizando o outro seu film noir como termo de comparação, este McBacon dá 15 a 0 a Crimson Peak – A Colina Vermelha, sem qualquer esforço. É como se não fossem sequer feitos pela mesma pessoa.

Título: Nightmare Alley
Realizador: Guillermo Del Toro
Ano: 2021

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