| CRÍTICAS | O Corvo

Durante as filmagens de O Corvo, o seu primeiro grande filme como protagonista, Brandon Lee, filho da malograda estrela dos filmes de artes marciais Bruce Lee, era atingido por uma arma que, infelizmente, ninguém viu que tinha uma bala no canhão. Brandon Lee falecia assim precocemente, aos 28 anos, vitima de um estúpido acidente de trabalho, que viria a redefinir a forma de como se usam as armas nas filmagens em Hollywood (pelo menos até ao acidente semelhante com Alec Baldwin, já este ano). O Corvo ficava assim irremediavelmente marcado por esse incidente, ficando para sempre conhecido como “o filme em que morreu Brandon Lee”.

É assim impossível ver O Corvo sem pensar nisso. Ainda por cima porque esta é a história sobrenatural de um herói que regressa do mundo dos mortos, para vingar a si e à sua esposa e matar todos aqueles que foram responsáveis pelo seu assassinato. Brandon Lee era um guitarrista de uma banda rock e, por isso, quando regressa, pinta a cara de branco como os Kiss e veste-se de cabedal, só porque sim. Isso dá-lhe mais estilo e é cool. E há que reconhecer que é verdade.

Contudo, a grande conquista de O Corvo chama-se Alex Proyas e a forma como o realizador cria todo um universo muito próprio, algures entre o gótico (e até convenceram os Cure a fazer um tem original para a banda-sonora – wink link, perceberam a ligação?) e o expressionismo alemão (não são ambos a mesma coisa?). O Corvo é assim uma versão mais sombria do Batman de Tim Burton, como se este tivesse tido um filho com O Gabinete do Dr. Caligari. E, no final, Brandon Lee e o vilão do filme, Michael Wincott, até têm o duelo final no telhado de uma catedral gótica sobre uma chuva torrencial. Porquê é que eles sobem para o telhado de uma igreja para lutar? Ninguém sabe. Mas tem uma pinta do caraças e resulta numas cenas brutais.

Diz ainda a lenda que as filmagens de O Corvo foram movidas a muita coca. Não é possível comprovar esse facto, mas a verdade é que, se não o foi, parece. Mas é isso também que ajuda a fazer de O Corvo um filme com uma atmosfera única. Ao mundo gótico criado por Proyas, sempre mergulhado nas trevas da noite e, de preferência, à chuva, com muitos planos picados ou a elevarem-se sobre os telhados da cidade, esticando a perspectiva dos planos e acentuado a sua verticalidade, junta-se também uma edição fragmentada e cheio de planos rápidos, que de certa forma lembra também outro filme cocaínado, Assassinos Natos.

O Corvo adapta a banda-desenhada anónima e, no fundo, presta homenagem a toda a tradição do film noir que ajudou a moldar os quadradinhos quando surgiu, nos anos 40. É por isso que até existe um narrador: a jovem Sofia Shinas, que não só é a observadora privilegiada de toda a história, como é a única inocente de toda esta gente com esqueletos no armário. E Proyas vai ainda buscar os signos do cinema de série b, que, pelo menos até ao advento dos filmes da Marvel e do respectivo universo cinemático, sempre pertenceram a este nicho, com tiroteios over the top, munições infinitas, bodycount elevado e violência estilizada.

É certo que O Corvo é um filme que ficará para sempre na história do cinema pelo infeliz incidente que o marcou. Tentamos olhar para ele além disso. É uma tarefa impossível, é certo, mas por entre o mundo único criado por Alex Proyas, O Corvo mantém-se ali numa zona esquisita, entre ser uma das mais únicas adaptações de banda-desenhada (na tradição do primeiro Batman e desse subvalorizado Dick Tracy) e ser um filme de acção mais ou menos banal e desmiolado. O McChicken desempata a contenda devido ao contexto extra-filme.

Título: The Crow
Realizador: Alex Proyas
Ano: 1994

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