| CRÍTICAS | História de um Fantasma

As histórias de fantasmas são um dos sub-géneros mais antigos e populares do cinema (e da literatura) de terror. E, no entanto, nunca tínhamos visto um filme como História de um Fantasma, em que pela primeira vez uma alma penada é representada na sua forma tradicional e popular: com um lençol com dois buraquinhos para os olhos. 

E não, o filme de David Lowery não é uma paródia ao género ou algo para não se levar a sério. Tendo em consideração a restante filmografia do norte-americano, nomeadamente o último A Lenda do Cavaleiro Verde, já sabemos que a sobreposição de elementos aparentemente inconciliáveis (mas que, afinal, não o são) é uma das suas imagens de marca. Contudo, quando História de um Fantasma apareceu, em 2017, ainda não sabíamos. E, por isso, essa foi a primeira surpresa. E o filme é tão para se levar a sério que rapidamente a suspensão da descrença se instala e passamos a aceitar aquele lenços com dois olhinhos que anda ali especado.

Mas História de um Fantasma, apesar do titulo e do fantasma, não é propriamente uma história de fantasmas. Pelo menos, no estrito sentido do sub-género do cinema de terror. Começamos a desconfiar disso logo no início, pela forma como Lowery filma, em longas cenas que fazem lembrar aquelas pausas que S. Craig Zahler faz nos seus filmes. Há uma cena em que Rooney Mara chega a casa e come uma tarde. Toda. E nós assistimos a tudo. Dentada a dentada. É como se o Manoel de Oliveira estivesse a filmar um filme de terror e tudo fosse muuuuuito demorado.

Esse estilo contemplativo acaba por se ajustar ao filme. É que, depois de sermos apresentados ao casal Casey Affleck e Rooney Mara, a viverem juntos numa pequena casa à beira da estrada, o primeiro acaba por falecer num acidente de viação. E é ele o fantasma, que regressa à casa onde vivia e passa a ficar por ali, a vaguear e a observar. Se o filme já tinha poucos diálogos, então torna-se quase mudo. O estilo é contemplativo e reflexivo. E, de repente, os fantasmas passam a ser uma metáfora sobre a passagem do tempo. Mas não só.

David Lowery aproveita então o mecanismo para reflectir também sobre a gentrificação e sobre as viagens no tempo. Aquela pequena historia de fantasmas, que no início parece ter todos os signos do género – ruídos estranhos no meio da noite, uma atmosfera suspeita no ar… – irá passar por vários estádios, abraçando inclusive a ficção-cientifica. E ao mesmo tempo vai esculpindo o tempo, não como Sergio Leone fazia, mas concentrando o passado e o futuro no presente. É um filme estranho, diferente, mas absolutamente marcante, daqueles que não nos esquecemos. E foi com este McRoyal Deluxe que David Lowery se tornou numa das estrelas da A24.

Título: A Ghost Story
Realizador: David Lowery
Ano: 2017

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