| CRÍTICAS | Escolhe ou Morre

O ano é 2022 e continuamos a surfar o revival dos anos 80. E a Netflix acaba de lançar um filme com Spectrums. E depois não admira que estas máquinas velhinhas andem a ser vendidas por centenas de euros no eBay. Seja como for, para quem cresceu a teclar load aspas aspas e a esperar meia hora antes de jogar, o ruído muito próprio do jogo a carregar é uma espécie de madalena do Proust, que espoleta memórias queridas. Por isso, muito que nos esforcemos, é inevitável que, mais cedo ou mais tarde, acabemos a ver Escolhe ou Morre.

Escolhe ou Morre é então a história sobre um jogo de 48 bits para Spectrum amaldiçoado(!), chamado “Curs<d”. É um RPG daqueles velhinhos, só com palavreado, que nos dizia és um cavaleiro numa gruta e tens um cálice à tua frente. O que queres fazer? E o jogo avançava consoante a nossa resposta. Como é que Escolhe ou Morre mete então pessoas, em pleno século XXI, a jogar novamente a um jogo de Spectrum? Com um subplot esquisito de maluquinhos da tecnologia, prémios de jogos antigos por reclamar e o Eddie Marsan a fazer de nerd dos anos 80.

“Curs<d” emula assim a vida real, fazendo com que o jogador tenha que decidir, em simultâneo, entre uma opção má e outra muito má. Por exemplo, a protagonista, Iola Evans, quando experimenta o jogo pela primeira vez está no café e as opções levam-na a fazer com que a empregada coma os vidros de um copo partido. Por sua vez, na cena de abertura, Eddie Marsan tem que escolher se corta a língua do filho ou as mãos da mulher para acabar com a discussão que não o deixam desfrutar do jogo em paz. Mais tarde, esta opção voltará para nos assombrar a todos.

Escolhe ou Morre recupera assim um sub-género muito específico – e meio esquecido – que é o do terror tecnológico, com influências de coisas como Experiência Alucinante ou Mark 13 – O Exterminador. Ou seja, com a voz do próprio Robert Englung a fazer dele próprio, “Curs<d” mistura tecnologia e magia, colocando os seus protagonistas juvenis a terem que jogar com a vida dos seus mais queridos. Não deixa de ser uma metáfora interessante de como os jogos consistem na manipulação da vida de terceiros e das nossas também, através da alienação, mas o realizador Toby Meakins não tem unhas para tocar esta guitarra. Tudo é muito mais óbvio do que sugestivo, não havendo sequer manobra para grandes reflexões.

Escolhe ou Morre também esgota rapidamente as boas ideias (leia-se ideias doentias) do jogo, limitando-se depois a colocar o casal de protagonistas a correr muito de um lado para o outro, enquanto decifram pistas contra o tempo antes que mais alguém morra. E, no fim, vão dar à casa de Eddie Marsan, do qual já ninguém se lembrava depois da cena de abertura, para um acto final que pertence claramente a outro filme. Aqui, Toby Meakins tenta ligar o botão do grotesco, mas apenas consegue afundar-se ainda mais no buraco que passou o filme todo a escavar. Pouca coisa vale a pena nesta Hamburga de Choco após os créditos inicias, até porque os Spectrums deixam de aparecer depois disto.

Título: Escolhe ou Morre
Realizador: Toby Meakins
Ano: 2022

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *