| CRÍTICAS | Air

Para quem nasceu depois de 1984 – o ano em que decorre Air – pode ser difícil conceber que já houve uma altura em que Michael Jordan não era o maior basquetebolista (atleta?) de todos os tempos (aliás, nem sequer era o mais promissor) ou que a Nike não era uma das potências do mundo do calçado desportivo. 1984 foi precisamente o ano dessas viragem e Air é o filme que conta toda a história, demonstrando que, no mundo do basquete, houve claramente um antes de 1984 e um depois de 1984.

Até 1984, os pés dos jogadores da NBA calçavam sobretudo ou as tradicionais Converse All-Star ou os inovadores Adidas. A Nike procurava entrar na luta, mas nenhuma estrela querida ser patrocinada por eles. O truque era tentar antecipar-se à concorrência e conseguir fisgar um rookie que se tornasse no novo Magic Johnson ou Larry Bird. Contudo, até ao momento, essa estratégia também não tinha colhido quaisquer frutos.

Até que Sonny Vaccaro (Matt Damon), olheiro da Nike para novos talentos, num derradeiro tudo ou nada, decidiu colocar todas as fichas num rookie que nem tinha sido a primeira escolha do draft – Michael Jordan. E não só. Além de gastar todo o orçamento do ano num só jogador, a Nike dava o seu nome à linha de sapatos e pintava-os com as cores dos Chicago Bulls, o seu clube, mesmo sabendo que as regras da NBA o proibiam. E com essa jogada de risco, a NBA não só entrava na corrida peo topo do mercado da roupa desportiva, como alterava o próprio mercado para sempre.

Air é assim um daqueles filmes desportivos de que Hollywood gosta muito, sobre histórias de superação, se bem que aqui o que está em causa é mais o sucesso corporativo (e capitalista) do que pessoal e atlético. No entanto, se no conteúdo é semelhante, na forma Air não tem nada a ver com um Moneyball – Jogada de Risco, por exemplo. É que Ben Affleck – que está tanto à frente como atrás das câmaras – não se limita a ilustrar esses factos reais com as habituais insinuações de predestinação ou meritocracia.

Em Air, apesar de haver muitos executivos que repetem várias vezes aquelas ideias feitas do empreendedorismo que na realidade não significam nada, não há propriamente visionários ou génios – com a excepção de Michael Jordan que, talvez por isso, é o único que não surge no filme encarnado por ninguém, sempre de costas e sem proferir palavra. Ele é o único endeusado numa história de patetas felizes e tipos com síndrome de impostor, que parecem todos saídos daqueles filmes dos irmãos Coen, que se costumam chamar de Trilogia dos Idiotas.

É essa inesperada escala humana, que reduz uma história de consequências fracturastes para o desporto e para o negócio desportivo a uma dimensão quase ordinária, que aproxima Air do espectador, criando empatia por aquelas figuras e tornando-o interessante até para quem não gosta de basquete ou não sabe sequer quem é Michael Jordan (caso tenha andado a viver numa gruta). E Ben Affleck, rodeado por um elenco com classe – Matt Damon, Chris Tucker, Viola Davis… – vai-se tornando num realizador cada vez mais interessante, dando atenção aos pormenores e na forma como estes ajudam a recriar e a situar o filme nos anos 80. É outra forma de revivalismo nostálgico, ligeiramente diferente do de Stranger Things e, sem ser sequer o melhor filme de Affleck-realizador, Air consegue ser um sólido McBacon.

Título: Air
Realizador: Ben Affleck
Ano: 2023

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