| CRÍTICAS | A Fuga do Capitão Volkonogov

O auge da paranóia persecutória de Josef Estaline deu-se em meados dos anos 30 do século passado, quando o líder comunista decidiu expurgar o próprio partido. Esse período em particular das purgas estalinistas ficou conhecido como o Grande Terror, assim mesmo, com letras maiúsculas, tamanha foi a barbárie. Estima-se que chegaram a ser assassinadas mil pessoas por dia, inocente e falsamente acusados de todo o tipo de traições à pátria.

A Fuga do Capitão Volkonogov passa-se precisamente nesse período e procura denunciar o Grande Terror – mas também o absurdo do totalitarismo – através dos códigos de género do thriller político. No fundo, é um gesto criador muito semelhante ao do iraniano A Lei de Teerão: pegar num género de cinema moldado por Hollywood e adapta-lo à sua própria realidade.

Fiodor Volkonogov (Yuriy Borisov) é então um capitão da polícia moscovita que, ao aperceber-se que tem os dias contados, decide fugir. O abre-olhos acontece quando um superior, depois de forçarem à bruta uma confissão num interrogatório, lhe explica que não pode haver punição sem crime e, por isso, é preciso forçar aquelas pessoas a confessarem crimes que não cometeram antes que os possam cometer. Afinal de contas, estão num estado de direito e é preciso cumprir a lei. O problema é que aqui é a realidade e não o Relatório Minoritário.

Volkonogov embarca então numa corrida do rato e do gato, com o major Golovnya (Timofey Tribuntsev) no seu encalhe, com a mesma intensidade de um episódio do Jason Bourne. A diferença é que aqui sabemos que não há escapatória possível para o nosso herói. É o fatalismo da literatura russa a vir ao de cima. Não admira que a personagem principal até se chame Fiodor, como o outro, o Dostoievski. Não há então para onde fugir e é apenas uma questão de tempo até Volkonogov ser também expurgado. Mas este terá uma visão divina que lhe explica que pode pedir perdão às famílias das vítimas para evitar o inferno eterno. Essa dimensão metafísica passa então a fazer parte do filme e é também uma provocação ao próprio regime comunista.

A Fuga do Capitão Volkonogov é assim uma corrida denunciadora de um período muito específico da União Soviética, que acaba por ecoar nos dias de hoje, por causa do conflito que assistimos no território ucraniano. Falta apenas ao filme o golpe de asa de que estamos sempre à espera ao longo das suas duas horas de duração, mas a intensidade é suficiente para chegarmos ao fim cansados e satisfeitos com o McChicken.

Título: Kapitan Volkonogov Bezhal
Realizador: Natasha Merkulova & Aleksey Chupov
Ano: 2021

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