| CRÍTICAS | Tudo na Boa!

Ver actualmente aquelas comédias adolescentes e bardajonas dos anos 80 e 90, como o Porky’s ou o American Pie – A Primeira Vez, não é exactamente a mesma coisa. E não é só porque crescemos e agora os nossos gostos cinematográficos são mais requintados (lol). É porque, actualmente, há uma maior consciência para as questões sociais, como a representatividade, o racismo ou o consentimento. É por isso que o American Pie – A Primeira Vez, quando estreou, parecia uma comédia corajosa e sem vergonha de mostrar jovens excitados e dispostos a tudo para darem uma queca e, hoje em dia, é apenas uma comédia desconfortável e algo problemática.

Por isso, não deixa de ser muito estranho ver um grande estúdio a dar luz verde a uma comédia adolescente/jovem adulta feita como se estivéssemos em 1999 e ver Jennifer Lawrence a dispor-se isso. Por um lado é saudável vê-la a cagar-se um pouco para as expectativas e a fazer o que bem entende com a sua carreira, mas, por outro lado, a sério?, isto?

J-Law é então uma jovem empoderada e emancipada, motorista da Uber, que vive num lugarejo veraneante onde a gentrificação e o turismo de massas arruinou o mercado imobiliário e a vida dos locais. É um golpe baixo do realizador Gene Stupnitsky, porque não há quem não se reveje e identifique imediatamente com os problemas de J-Law em conseguir pagar a casa e ainda a ter que lidar com turistas endinheirados e mimados a toda a hora.

Até que J-Lae encontra uma solução rápida para os seus problemas. Matthew Broderick e Laura Benanti são dois pais super-protectores que estão na disposição de lhe oferecer um carro se ela namorar o filho, Percy (Andrew Barth Feldman), um nerd anti-social e vítima de bullying prestes a ir para a universidade. E não é só namorar namorar… se me estão a entender. Date him… hard *piscadela de olho*, diz-lhe Broderick. A partir daí é sempre a descer.

Durante largas sequências, Tudo na Boa! vai ser só J-Law a tentar dar uma queca com Andrew Barth Feldman, apesar deste se recusar repetidamente. Isso leva-a a apelida-lo mesmo de unfuckable(!). A ideia de Gene Stupnitsky era trocar os estereótipos de género e mostrar-nos uma mulher emancipada e confortável com o seu corpo (há uma cena em que J-Law luta toda nua (e em nu frontal) com um bando de bullies na praia, que vai ficar naturalmente para a posterioridade), sem problemas em falar de sexo e a ir para a cama com quem entender. No entanto, o resultado é um problemático caso de consentimento, com uma adulta a tentar forçar um jovem a dormir com ela. Não é assim que se fala de feminismo…

Ah, mas é a Jennifer Lawrence, ela é toda boa, não faz mal nenhum, dirá a maioria. E a verdade é que Tudo na Boa! parece limitar-se. esconder por trás desta premissa. Por exemplo, nos anos 80 houve uma comedia adolescente em que o nerd da escola pagava à miúda popular para andar com ela. No fundo, Namorada Aluga-se era um filme que glorificava a prostituição sem se aperceber disso, mas fazia-o com tanta sinceridade que ainda hoje funciona. A Tudo na Boa! falta-lhe esse espírito feelgood, até porque passa sempre a ideia de que está bem consciente do que está a fazer.

As intenções de Tudo na Boa! podem ser boas – duas pessoas solitárias, pr motivos diferentes e de gerações distintas, que se conhecem e se ajudam mutuamente a seguir em frente -, mas o argumento de papel e, especialmente, a backstory unidimensional da personagem de Jennifer Lawrence, tornam-no tão desinteressante quanto aborrecido. E depois há todas essas outras questões duvidosas e até a inevitável graça com cocó. Tudo na Boa! é um adulto a tentar passar por jovem muito cool, a quem topamos a pinta ao longe. Há poucos coisas piores do que este Pão com Manteiga.

Título: No Hard Feelings
Realizador: Gene Stupnitsky
Ano: 2023

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