| CRÍTICAS | Midsommar – O Ritual

Em 1933, o autor japonês Januchiro Tanizaki escreveu um livro fundamental. Elogio da sombra é um ensaio sobre a forma bem díspar como os orientais e os ocidentais encaram a luz a e sombra. Enquanto que os primeiros dão primazia à sombra, os segundos privilegiam a luz, tanto na vida (na arquitectura dos grandes vãos envidraçados, por exemplo) como na arte (o Goya envia beijinhos). Tanizaki aponta mesmo com apurada ironia que, a razão pela qual detestamos ir ao dentista ou ao hospital, é por causa do excesso de coisas a brilhar, tudo alvo e muito esterilizado.

É por isso que o cinema de terror se refugia normalmente nas trevas. As trevas são sinónimos de temor, do desconhecido e de perigo e, por isso, os filmes de terror são quase sempre à noite ou passam-se em casas escuras, com poucas janelas, onde a luz teima em não entrar. Nos filmes coreanos, por exemplo, para pegar num país que tem feito muito por este género cinematográfico, essa já não é uma questão assim tão exigente. Basta ver um filme como The Grudge – A Maldição, do japonês Takashi Shimizu, para ver essa abordagem diferente ao espaço arquitectónico. E eis então que surge um filme como Midsommar – O Ritual.

Pela primeira vez, temos um filme de terror solar. E totalmente solar, uma vez que este se situa no norte da Suécia, numa altura em que o “sol da meia-noite” faz com que haja apenas um par de horas de lusco-fusco por noite. A ausência de noite do filme não serve, no entanto, para promover qualquer forma de destrambelhamento interior, como acontecia em Insónia, por exemplo, mas antes para acentuar o alheamento e o sentimento de corpo estranho dos protagonistas, quatro amigos americanos, que vão passar o midsommar a uma comuna sueca.

Depois de se ter apresentado ao mundo com Hereditário, um dos melhores filmes de terror do cinema de terror recente, Ari Aster demorou apenas um ano para voltar a apresentar-se. E fa-lo logo desta forma inesperada, com um filme que volta a explorar dois temas do seu trabalho anterior: os cultos e o paganismo; e a perda recente de um ente querido. Neste caso é a perda dos pais e da irmã da protagonista, Dani (Florence Pugh), que num prólogo super-intenso, vê os problemas mentais da irmã resultarem num homicídio horrendo.

Apesar de, pelo menos aparentemente, o herói de Midsommar – O Ritual ser colectivo (Dani e os três amigos que vão para a Suécia), apenas ela tem uma história que a sustenta. Todos os outros são apenas arquétipos (incluindo o namorado, Christian (Jack Reynor)), que parecem ter saído de um simples slasher. Isso desequilibra o filme, especialmente porque a história nem sequer tem tempo de antena suficiente para eles todos, especialmente Mark (Will Poulter), o engraçadinho (e bem irritante) do grupo. Em comum têm apenas o facto de todos eles terem algo de odiável lá dentro de si. Como se o mal fosse algo que atraísse mais mal. E isso sim, vai ser fundamental para o rematar da história.

Quando se fala de filmes sobre paganismo, é obrigatório falar-se de O Sacrifício (e até vai haver referência ao remake maldito de Nicolas Cage, vejam bem). No entanto, em Midsommar – O Ritual o primeiro nome que vem à cabeça é o de Alejandro Jodorowsky e a sua A Montanha Sagrada, pelo simbolismo abundante do filme. Também Mãe! é um trunfo no baralho que Ari Aster joga com distinção, começando logo pelo cartaz oficial do filme, que lembra o da obra-prima de Aranofsky.

Aster constrói Midsommar – O Ritual com a precisão formalista de um Stanley Kubrick, onde cada plano tem sempre algo mais para dizer do que aquilo que simplesmente cremos ver. Em Hereditário já era assim, mas aqui é ainda mais explorado, com a vantagem de que Aster não tenta aqui explicar tudo em demasia, como o fazia nesse filme. Em apenas dois filmes, o realizado norte-americano coloca-se ao lado do grego Yorgos Lanthimos como o avançado titular no apoio ao ponta-de-lança da equipa titular actual do cinema fantástico – um cinema traumático e perturbador, mas não necessariamente gráfico. E sorte nossa, que nem sequer temos que orientar essa equipa. Basta-nos sentar no sofá e apreciar o McRoyal Deluxe.

Título: Midsommar
Realizador: Ari Aster
Ano: 2019

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