| CRÍTICAS | O Tesouro

É incrível a carreira de Nicolas Cage. Nunca ninguém foi tão eclético quanto o sobrinho dr Francis Ford Coppola, que faz filmes em catadupa, que tanto podem ganhar Oscares como serem séries b alarves, remakes mal amanhados de filmes de culto, super-hero flicks, filmes cristãos sobre o arrebatamento para pagar favores a um tio padre ou blockbusters pipoca. E tudo isso sem perder qualquer pingo de credibilidade junto do público (bem, junto da crítica a história é mais ou menos outra).

Um dos momentos altos da carreira recente de Nicolas Cage é mais um daqueles casos que tinha tudo para correr mal: um rip-off descarado de O Código da Vinci tresmalhado de Indiana Jones. No entanto, não só O Tesouro funcionou, como deu direito a uma sequela e, segundo consta, vem um terceiro a caminho. Tudo isso produzido pelo rei dos blockbusters, Jerry Bruckheimer, e embrulhado pela Disney numa caixinha para toda a família, com lacinho no topo e tudo.

Mais do que Indiana Jones, Nicolas Cage é um arqueólogo tipo Lara Croft. Mal começa o filme e já estamos a maio de uma aventura, em pleno círculo Árctico, onde Cage descobre um barco afundado(!), que há de revelar um tesouro perdido, cujo mapa está escondido nas costas da Declaração de Independência. A sua equipa, liderada por Sean Bean (num raro filme em que… não morre), trai-o e parte para tentar obter a Declaração da Independência à força. Cage, mais o sidekick geek (Justin Bartha, que tem a seu cargo o comic relief), salva-se por pouco e fica apenas com uma opção em mãos: roubar primeiro um dos mais sagrados e importantes objectos nacionais antes que Sean Bean o roube (e destrua) primeiro.

Claro que ver O Tesouro em 2021, com tudo o que agora sabemos, é bem diferente do que o ver no ano em que foi feito. Em 2004, a ideia de roubar a Declaração da Independência era uma premissa super-arriscada e praticamente impossível, apenas ao alcance de um herói destemido e temerário como Nicolas Cage. Hoje, após a invasão do Capitólio nos primeiros dias de Janeiro, percebemos como isso seria fácil. Se até um tipo com uns cornos de viking e um chapéu de guaxinim, que se auto-intitula xamã, o conseguiu…

Mas pronto, fazemos de conta que ainda estamos em 2004 e que tudo isso era uma demanda quase impossível. Cage e Bartha arranjam uma nova cúmplice, Diane Kruger, roubam a Declaração da Independência e vão em busca do tesouro secreto, que mais não é que o grande tesouro protegido pelos Templários. Isto significa que, tal como o livro de Dan Brown, vai haver muitas pistas sobre a maçonaria, as notas de dólar e muito simbolismo com compassos, aventais e pirâmides com um olho em cima. Tudo isso com o respectivo downgrade da Disney, certificação PG para toda a família. Ou seja, todas as pistas são resolvidas em três tempos, com Nicolas Cage a ter apenas que se sentar, colocar o queixo na mão e pensar muito.

Mas o que faz de O Tesouro um possível guilty pleasure é que ele só se leva a sério qb, tendo em conta que o mais importante é o entretenimento puro e duro. Por isso, nunca convida o espectador a pensar, dando-lhe a papinha toda mastigada e pronta a ingerir, limitando-o ao mais puro processo de desfrute de ver e ouvir. E se tivermos Jon Voight (enquanto pai de Nicolas Cage) e Harvey Keitel (no papel do inspector do FBI que anda a tentar descobrir o que se passa) a dar credibilidade a tudo isto, melhor ainda.

Há várias formas de encarar O Tesouro: um Indiana Jones dos pobres, um O Código Da Vinci genérico da loja do chinês ou uma xungaria para toda a família. E todas elas são válidas e legítimas. Costuma-se dizer que a qualidade de um filme de Nicolas Cage é inversamente proporcional ao seu aprumo capilar. Em O Tesouro, Cage simplesmente penteia-se para trás. Agora pensem. Precisava de pelo menos um bigode a complementar o arranjo para algo mais do que o Cheeseburger.

Título: National Treasure
Realizador: John Turteltaub
Ano: 2004

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