| CRÍTICAS | As Maçãs de Adam

Nunca ficamos a saber qual foi o crime que o levou à prisão, mas quando Ulrich Thomsen chega à igreja de Mads Mikkelsen para cumprir serviço comunitário, descobrimos que na sua carta de recomendação o descrevem como um neo-nazi “malvado” – afinal de contas, Thomsen há de pendurar uma fotografia do próprio Hitler no seu quarto. Por isso, uma das grandes conquistas do filme de Anders Thomas Jensen, As Maçãs de Adam, é conseguir às tantas por-nos a simpatizar mais com o neo-nazi do que com o padre.

No entanto, As Maçãs de Adam é um filme mais complexo do que isso. Apesar de Anders Thomas Jensen utilizar os mecanismo da comédia negra – e o humor dinamarquês é bem particular neste domínio, basta ver o seu filme mais recente, a produção da Netflix, Riders of Justice -, o filme utiliza a religião para construir uma parábola que, mais do que dar respostas, levanta questões. Não é por acaso que é o Livro de Jó que é usado para essa metáfora, ou não fosse esse o livro do Antigo Testamento dedicado ao sofrimento da condição humana.

Ulrich Thomsen é assim um neo-nazi malvado (e com mau feitio, faltou dizer esta parte), que chega à pequena paróquia de Mads Mikkelsen para cumprir serviço comunitário. Além do padre, estão lá mais meia-dúzia de pessoas, onde se destacam os ex-condenados Nicolas Bro (que também entra em Riders of Justice), um alcóolico inveterado, e Ali Kazim, um paquistanês que fora julgado por roubo. Parece estar montado o cenário perfeito para a redenção de Thomsen, assente nos valores cristãos da piedade e humanismo, mas a viagem vai ser bem mais complexa.

É que Mads Mikkelsen, além de ter problemas de temperamento, vive em constante estado de negação, recusando encarar uma série de evidências que desfilam perante o olhar de toda a gente. Existe algum humor negro e um par de cenas desconfortáveis, como uma em que Mikkelsen discute com Thomsen sobre os biscoitos que este trouxe para a mesa, enquanto uma jovem grávida que viera em busca de ajuda espiritual chora compassivamente. Mas ei, toda a gente já viu pelo menos um filme do Lars Von Trier e sabe que desconforto é com os dinamarqueses também.

No final, por entre violência, a Bíblia, tentações do Diabo, corvos que surgem do nada, maçãs podres e nazismo, As Maçãs de Adam acabam por criar um complicado, mas eficaz filme sobre a condição humana. Somos todos maus quando nascemos ou o Mal não existe? Existe um desígnio superior a guiar o destino do Homem ou tudo não passa de niilismo e sofrimento? Não é que As Maçãs de Adam dêem resposta a isto, mas também não é esse o seu intuito, é só o de nos fazer pensar sobre elas. E faze-lo enquanto trincamos um McChicken até sabe melhor e tudo.

Título: Adams æbler
Realizador: Anders Thomas Jensen
Ano: 2005

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