| CRÍTICAS | O Assassino

Em Ofício de Matar, Jean-Pierre Melville definiu o perfil do assassino profissional, que entretanto tem sido utilizado vezes sem fins, em variações mais ou menos livres. É um profissional metódico, obsessivo e, especialmente, silencioso, que reconhecemos de Leon, O Profissional, de Drive – Risco Duplo ou Ghost Dog – O Método do Samurai. O novo personagem que entra directamente para essa galeria é o do novo filme de David Fincher, O Assassino, protagonizado por Michael Fassbender. No entanto, aqui, o realizador responde a uma questão que fica sempre a pairar nos outros filmes: e se for um tipo falador?

Em O Assassino, Michael Fassbender fala e fala muito. Não fala propriamente com outras pessoas, mas fala connosco, já que é um narrador omnipresente. E ao pé dele, qualquer film noir parece um filme mudo. O que até acaba por ser uma opção estranha de David Fincher, já que uma característica importante da sua personalidade está precisamente na música que houve constantemente. O Assassino tem banda-sonora dos Smiths e utiliza 12 canções da banda de Morrissey e Johnny Marr. Só que estas estão sempre a ser interrompidas, na maior parte das vezes pela voz-off de Fassbender, o que acaba por anular completamente o efeito de ter os Smiths a responder em música pelas acções e comportamentos do protagonista.

O filme arranca com uma espécie de prólogo longo, em que Fassbender espera num andar em obras de Paris por um alvo, que supostamente vai aparecer na penthouse do outro lado da rua. Esta abertura, em ralenti, serve também para nos introduzir ao ritmo muito próprio do filme. É que O Assassino é um filme que não tem nada a ver com filmes de acção hiperactivos, em que toda a gente parece ter défice de atenção se não houver uma explosão, um tinteiro ou uma cena de pancadaria a cada 5 minutos.

Fassbender introduz-nos então ao seu método e isso casa bem com o cinema de David Fincher, que foi sempre muito estilizado e igualmente metódico. Fassbender é altamente eficiente e racional, repete constantemente para si próprio “forbid empathy” e procura manter-se afastado emocionalmente dos seus trabalhos. Profissionalismo acima de tudo. Até que surge o seu alvo e Fassbender… falha o tiro. De repente, o seu mundo implode. Mas não o filme. David Fincher continua a seguir o mesmo cinema metódico, se bem que agora o seu protagonista tem que resolver as coisas para que tudo volte a ser como dantes.

Com o tiro falhado, o seu cliente envia uma equipa de limpeza à sua casa na República Dominicana, vingando-se da sua namorada. Fassbender vai então vingar-se de todos: quem o contratou, o seu patrão e os dois capangas que sujaram as mãos. Felizmente, espalhou dinheiro e armas por garagens suficientes pelo mundo fora para poder embarcar numa missão pessoal muito própria. Por isso, acompanhamo-lo numa volta pelo mundo, despachando pessoas, incluindo a Tilda Swinton numa participação breve, mas especial.

No final, há um epílogo que acaba por parecer demasiado apressado, mas que serve para percebermos que não existe aqui propriamente uma mensagem. Tudo se foca no método e no estilo de vida daquele profissional. Michael Fassbender parece aqui um Patrick Bateman, mas em versão assassino. Oh, esperem… Em versão assassino que faz disso profissão. Assim está melhor. Não será o McBacon mais acessível de Fincher, mas é sem dúvida o mais pessoal de todos.

Título: The Killer
Realizador: David Fincher
Ano: 2023

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