| CRÍTICAS | O Ornitólogo

ornitho_aff_400x533,3_ok.indd

O Ornitólogo parece ser aquele momento da da carreira de João Pedro Rodrigues em que ele pára e revisita toda a sua filmografia anterior, tanto a solo como a com João Rui Guerra da Mata. Ora, há aqui chinesas católicas (e com queda para a psicose) a lembrar o Oriente das curtas Mahjong ou China, China; há o Santo António que também velava a curta Manhã de Santo António; e, claro, há o corpo, sempre o corpo como matéria central da obra de João Pedro Rodrigues, desde que começámos a ouvir falar dele com O Fantasma.

Aqui, é o corpo de Paul Hamy a matéria da qual se faz o filme. Aliás, é tão só o corpo do actor francês que interessa, que a sua própria voz é dobrada inexplicavelmente para o português, dando aquele ar farsolas que era dispensável (quer dizer, se calhar não é tão inexplicável assim, tendo em conta a inexpressividade que tem durante todo o tempo). Hamy é um ornitólogo em expedição algures pelo Douro português, que tem um acidente de caiaque e acaba perdido no meio da mata. Na sua luta pela sobrevivência, qual survivor movie (tanto físico quanto psicológico), Hamy vai encontrar uma série de personagens estranhas (um grupo de caretos que falam mirandês, um jovem pastor mudo homossexual, umas amazonas de peito desnudado a cavalo que falam latim…), enquanto embarca numa viagem transformatória (literalmente!) sob a benção de Santo António(!).

ornitolo

Esta descrição do filme parece esquisita e não é por acaso. É que O Ornitólogo é mesmo esquisito. Mas é, ao mesmo tempo, um rebuçado para os olhos, com uma fotografia impecável, que muitas vezes nos limita ao simples prazer de ver. O próprio João Pedro Rodrigues parece ir filmando aquela aventura sem rumo definido, deixando-se enfeitiçar pela atmosfera telúrica da terra (e o episódio com os caretos mostram como o cinema português tarda em descobrir as suas próprias tradições) e por um certo paradoxo entre o sagrado (o Santo António em que Hamy se vai transformando aos poucos(!)) e o profano, que adquire a forma de uma espécie de revolução sexual: a arte erótica da amarração oriental shibari às mãos das tais chineses, que entretanto se perderam enquanto faziam o caminho para Santiago, um golden shower involuntário e um amor de verão supersónico com o tal pastor mudo.

Quanto mais se embrenha no interior do Douro, mais João Pedro Rodrigues vai entrando num surrealismo muito próprio, que tanto é o seu como é o de Apichatpong Eeerasethakul. Até que chega a uma altura em que as ideias se esgotam e O Ornitólogo parece começar a importar referências a outros filmes e realizadores, como se estivesse num beco sem saída e precisasse de sair dele desesperadamente. O crime e, claro, a parte gay da história já nos havia remetido inevitavelmente para O Desconhecido do Lago, mas quando entramos em territórios lynchianos já tudo parece demasiado forçado. E depois O Ornitólogo termina com a cena mais aleatória (ridícula?) do ano cinematográfico: o próprio realizador, de mão dada com um careto, a caminhar na entrada de Pádova ao som de António Variações. O Ornitólogo vai tão bem e no último terço descamba para o Cheeseburger. cheeseburguerTítulo: O Ornitólogo
Realizador: João Pedro Rodrigues
Ano: 2016

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *