| CRÍTICAS | Animais Nocturnos

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Passar do mundo da moda para o cinema podia parecer um gesto caprichoso ou prepotente por parte de Tom Ford, do género posso, quero e mando. No entanto, mesmo sem ser propriamente um grande filme, Um Homem Singular provava que havia qualquer coisa de cineasta em Tom Ford, num trabalho com uma marca autoral muito forte. Por isso, o seu novo Animais Nocturnos já não trazia tanto a desconfiança do seu filme inaugural, mas antes uma espécie de curiosidade genuína, alimentada até pelo burburinho que o filme tem criado por aí.

Tal como Um Homem Singular, Animais Nocturnos adapta também ao grande ecrã um livro, desta vez um romance de Austin Wright, mas com uma abordagem muito pessoal por parte do estilista. E tendo em conta que a protagonista da história também vem do mundo das artes, fica no ar uma leve interrogação de que até que ponto é que não há aqui algo de autobiográfico. Amy Adams é então uma artista que atingiu o topo: é dona de uma galeria de arte bem sucedida, está casada com um empresário bem parecido e cheio de pasta e move-se nos altos círculos na sociedade norte-americana.

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No entanto, sabemos que quanto maior é a subida, mais dolorosa é a queda. E Adams não está satisfeita. E nem sequer é pelo caso amoroso do marido ou a sua ameaçadora falência. Há algo que não a realiza pessoalmente. E quando recebe no correio um livro que o ex-marido vai publicar, algo no seu interior começa a vir ao de cima. À medida que vai lendo aquele romance – a história de um homem (Jake Gylhenhaal) que é atacado na estrada por um bando de rufias que lhe violam e matam a filha e esposa -, Adams começa a encontrar um qualquer paralelismo entre aquela narrativa violenta e triste e a sua relação de traição para com aquele homem que, afinal, parece ser o único que sempre amou e continua a amar.

Animais Nocturnos tem então três realidades temporais e espaciais distintas, que Tom Ford casa com grande habilidade e à-vontade: a história actual de Amy Adams, o seu passado com o ex-marido Jake Gyllenhaal em regime flashback e, num filme dentro do filme, a tal história de violência na estrada (lembram-se de Terror na Auto-Estrada? Esta é mais perturbadora!) onde entra um Michael Shannon a fazer de polícia que prova que é um dos mais subvalorizados actores da actualidade. Esta é, aliás, a mais apelativa das três histórias, até porque é ela que lança os sinais para que as outras duas dialoguem entre si e façam sentido, como num jogo de espelhos manipulado com agilidade por Ford.

Com uma fotografia impecável e uma realização altamente estilizada – é a sua costela de estilista a vir ao de cima -, que leva facilmente muito boa gente a acusar Animais Nocturnos de ser mais forma do que conteúdo, Tom Ford cruza a herança melodramática do seu anterior Um Homem Singular com uma história sulista neo-gótica com momentos que nos fazer verdadeiramente virar a cara (e nem é por qualquer grafismo gore), que nos fazem arrepender de em tempos (por alturas daquele filme que pouco sentido faz, Donnie Darko) termos dito que Jake Gyllenhaal nunca iria dar um bom actor. Nas alturas em que se intersectam, o filme resulta em algo subjectivo e simbólico que, pela atmosfera algo narcótica que cria, também remete para o surrealismo entre a ficção e a fantasia de O Homem Duplicado. São tudo boas referências para um McRoyal Deluxe que se assume como um dos mais apetitosos do ano.mcroyal-deluxeTítulo: Nocturnal Animals
Realizador: Tom Ford
Ano: 2016

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