Nos primeiros minutos do primeiro episódio da primeira temporada de Fleabag, é-nos oferecido um monólogo sobre sexo anal feito pela protagonista da série, quebrando a quarta parede enquanto ela própria, num aparente acto de compaixão como quem dá uma moeda a um mendigo porque a ia gastar em porcaria de qualquer das formas. Esta é provavelmente a situação menos intrusiva e menos íntima de toda a série. A partir daí, episódio após episódio, vamos tendo acesso a níveis de intimidade cada vez mais desconfortáveis até chegarmos ao último episódio e com ele a derradeira revelação. A revelação mais íntima, mais secreta, mais perturbadora e mais terrível – o pecado dos pecados – não é, descobrimos, mais do que a humanidade da protagonista.
Fleabag segue uma protagonista enquanto lida com um negócio em ruínas, uma família que parece já não ter espaço para ela, um luto impossível e uma vida amorosa que se esfuma antes de tomar qualquer tipo de forma. Não segue uma forma radicalmente diferente de Louie (pelo menos das suas temporadas mais recentes), mas há pelo menos dois elementos em Fleabag que merecem destaque e aplauso. Um é a forma como vai construindo subrepticiamente, ainda que arrancando sorrisos, um medo de catástrofe iminente. O outro, muito mais importante, é a forma como esta série, escrita, criada e protagonizada por uma mulher (Phoebe Waller-Bridge) caracteriza as mulheres.
A forma como um determinado feminismo institucionalizado aparece retratado aqui, como mais uma fonte de opressão que se impõe sobre as mulheres, obrigando-as a viver a vida de uma determinada forma e a obedecer a um determinado padrão de perfeição (não necessariamente física) a que os homens não estão sujeitos é provavelmente o aspecto mais brilhante da série. Por exemplo, quando, para combater a ideia de que as mulheres usam o seu corpo para obter vantagens (de qualquer tipo), exigimos das personagens femininas que nunca o façam, impomos sobre as mulheres um padrão de exigência que é desigual e injusto ainda que em nome do combate a estereótipos. É que enquanto o mundo vai desabando à sua volta, a protagonista vai fazendo uma série de más escolhas que só podem ser consideradas más escolhas por nós, espectadores, que do sofá olhamos para a série e exigimos que aquela personagem seja mais perfeita e represente as mulheres de forma a calar os machistas que acham que “as mulheres são todas iguais”. E isso diz muito do nosso próprio feminismo.