| CRÍTICAS | Corrida da Morte no Ano 2000

Quanto David Carradine morreu aqui há uns anos, alegadamente depois de um truque de auto-satisfação que não correu lá muito bem, as referências nos meios de comunicação sucederam-se. Na maior parte das vezes, falou-se em demasia de Kill Bill; aqui, neste imodesto tasco cinematográfico, teria-se falado muito (e devidamente) de McQuade, O Lobo Solitário; mas em praticamente lado nenhum se falou de Corrida da Morte no Ano 2000. Pois bem, chegou a altura de compensar essa injustiça.

1975: Carradine começara a série televisiva de referência, Kung Fu; Sylvester Stallone ainda não tinha feito Rocky; e Roger Corman estava já prestes a ser coroado rei da série b. Nos Estados Unidos, vivia-se uma década muito específica: a era dourada de Hollywood tinha acabado e os movie brats revolucionavam o cinema, desbravando caminho e quebrando tabus; a contracultura tinha também queimado os últimos cartuchos, incapaz de salvar o Mundo, e acontecimentos como a guerra do Vietname deixavam os jovens numa era de desânimo. Tudo isto foram factos que se conjugaram e deram origem a um dos filmes mais difíceis de rotular de sempre: Corrida da Morte no Ano 2000.

Uma visão mais optimista pode descrevê-lo como um dos raros exemplos do futurismo no cinema (o futurismo de Marinetti e não o da ficção-científica), uma apologia à violência, ao progresso, à máquina e à guerra, para ser colocado lado a lado com Laranja Mecânica. No entanto, Corrida da Morte no Ano 2000 é demasiado vago e ingénuo para tal análise. Corrida da Morte no Ano 2000 é antes uma desmiolada e patetice xunga, típica dos exageros do cinema de série b.

Num futuro hipotético, mais uma vez com a longínqua fronteira do ano 2000 em vista, eis outra distopia em que os Estados Unidos se bamboleiam perante o resto do Mundo como uma potência isolada mas honrada do seu poderio económico. O Presidente, figura big brotheriana desta sociedade, é o anfitrião e promotor da corrida transcontinental, uma violenta competição automóvel em que seis pilotos super-esteriotipados (de repente parece que estamos a ver as gangues de Os Selvagens da Noite) vão tentar ultrapassar o continente americano, atropelando o máximo de pessoas para ganharem pontos extras. E lembrem-se, velhinhos e grávidas dão pontos extras!

Como em todas as distopias, esta insanidade funciona como uma sátira à sociedade americana e aos seus costumes, antecipando em décadas os reality shows (e o Carmageddon). O tom satírico de Corrida da Morte no Ano 2000 faz lembrar a acidez de um Verhooven em Soldados do Universo, mas mais slapstick e tongue in cheek, de forma a que os atropelamentos gratuitos e sensacionalistas (com muitos jactos de sangue e gore explícito, claro) não sejam tão chocantes.

Mesmo assim, o mais chocante de Corrida da Morte no Ano 2000 são as más representações (Stallone começava aqui a sua especialização em gritar muito, com a boca de lado, até se tornar imperceptível o que diz), os adereços de cartão ou aquele que podia ser o momento mítico do filme, o duelo mano a mano entre Sly e Carradine, em que ambos parecem custar mexer o cu e dão murros no ar a uma velocidade caricata. Típico tão mau que se torna bom,Corrida da Morte no Ano 2000 tem, felizmente, apenas uma hora e um quarto de duração, tempo suficiente para ser um dos mais patetas e felizes filmes xungas de sempre. Pérola de culto e McBacon mui honrado.

Título: Death Race 2000
Realizador: Paul Bartel
Ano: 1975

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