| CRÍTICAS | Poesia Sem Fim

O chileno Alejandro Jodorowsky (vénias com saída à rectaguarda) propôs-se a realizar uma autobiografia em cinco volumes, do qual Dance of the Reality foi o primeiro. Agora, uma campanha de crowdfunding depois, chega a sua sequela, intitulado Poesia Sem Fim e com direito a estreia comercial em Portugal e tudo. E o próprio autor chileno (vénias com saída encarpada) esteve quase quase a vir pela primeira vez ao nosso país para acompanhar essa estreia.

Poesia Sem Fim aborda a vida de Jodorowsky no Chile (interpretado pelos seus próprios filhos, incluindo Brontis, aquele que vimos quando ainda era criança em El Topo), desde a sua infância até à adolescência, antes de embarcar para Paris. Além disso, Poesia Sem Fim Fim faz ainda um retrato do Chile da primeira metade do século XX e do seu círculo de amigos que iria moldar a cultura chilena desse período: Enrique Lihn, Stella Díaz Varín, Nicanor Parra…

Tal como a sua própria vida, também o filme é uma afirmação artística do autor, que trocou as expectativas parentais (especialmente as de um pai ultraconservador, que dizia que todos os artistas são maricas) e pessoais pela poesia. E é precisamente no momento mais pessoal do filme, em que o próprio Jodorowsky interrompe a cena para fazer as pazes com o seu pai, no exacto momento da sua biografia em que cortou as últimas amarras familiares, que Poesia Sem Fim sai vencedor da história a que se propõe contar. É um monólogo com tanto de literal quanto de figurativo, em que Jodorowsky tanto mata o seu pai (figurativamente, claro, caso não tenham reparado no itálico) como reconhece o seu contributo para a sua formação pessoal.

Rei dos surrealistas, Jodorowsky não deixa os seus créditos por mãos alheias no momento de contar a sua própria história, misturando ficção e realidade, assim como várias das suas crenças: a magia, o tarot… Não é um filme tão espiritual ou metafísico como o anterior, nem tão pouco radical como o autor nos habituou. Se estão à espera de um novo El Topo ou A Montanha Sagrada podem bem tirar o cavalinho da chuva. O surrealismo de Poesia Sem Fim é (quase) todo ele perceptível e, se isso torna o filme mais acessível por um lado, por outro não conseguimos disfarçar uma pontinha de desilusão.

Encontramos em Poesia Sem Fim vários elementos familiares à obra de Jodorowsk – os anões, o sexo (e há sexo com anões com o período(!)), um estranho fascínio por homens nus, as personagens bizarras -, mas é na forma como monta dispositivo visual, recorrendo a várias soluções teatrais, outra das paixões do autor – os cenários pintados que descem e recriam o Chile do início do século passado ou as pessoas vestidas de negro que passam objectos em mão, tentando esconderem-se nas sombras do decór -, que Alejandro Jodorowsky tem os seus melhores momentos do filme. Agora, enquanto aguardamos pelo próximo filme da sua biografia, vamos degustando este McRoyal Deluxe devagarinho.Título: Poesía Sin Fin
Realizador: Alejandro Jodorowsky
Ano: 2016

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