| CRÍTICAS | Moonlight

Mesmo com todo o circo que foi o momento à Humberto Bernardo na noite dos Oscares ou de não ter agradado a João Braga, há algo que já ninguém tira a Moonlight: o facto de ser o primeiro grande filme sobre a América negra a sacar a estatueta mais importante da indústria cinematográfica. E isso logo num ano em que o racismo e a segregação parecem ter regredido décadas, em que o hastah Black Lives Matter é real e que… bem, já estamos fartos de o saber, mas que vale para tudo… que Donald Trump se tornou presidente dos Estados Unidos da América.

Moonlight é a história de Chiron, negro, homossexual e com uma vida marcada pelas drogas, ao longo de várias fases da sua vida. Dividido em três partes, como uma verdadeira tragédia em três actos, seguimos a vida de Chiron enquanto criança  (primeiro interpretado por Alex R. Hibbert), depois adolescente (interpretado por Ashton Sanders) e finalmente enquanto jovem adulto (interpretado por Trevante Rhodes), e percebemos como é que o contexto socio-cultural influenciou o seu crescimento enquanto pessoa e cidadão de pleno direito. O filme é ele próprio como se fosse apenas um dia, em que a parte da infância é filmada sempre de dia, a adolescência ao lusco-fusco e a parte de adulto ao anoitecer.

Apesar de ter três actores diferentes para encarnar a mesma personagem, podemos fazer a comparação entre Moonlight e Boyhood – Momentos de uma Vida, se bem que aqui a vida de Chiron tem mais camadas e outras condicionantes: a droga omnipresente na sua vida (pela mãe, agarrada ao cavalo, ou pelo próprio bairro, cujo ADN é marcado fortemente pela toxicodependência), a homossexualidade (o bullying na escola, o estigma social dos papéis que se é suposto viver…) e o racismo (somos todos iguais, mas há uns mais iguais que outros). A história roda assim por três fases distintas, mas bem marcadas, onde os saltos temporais são assinalados pelo intratítulo a anunciar o início do novo acto. No entanto, a viagem nem sempre é feita sobre rodas, já que por vezes surgem buracos na estrada ou a impressão de que são tomados certos atalhos, deixando de fora um ou outro momento que faziam falta ao argumento.

O realizador, Barry Jenkins, segue o exemplo de outro realizador contemporâneo habituado a filmar a América negra, Lee Daniels, e complementa o seu elenco com uma estrela da música, Janelle Monáe, e depois embrulha tudo numa espécie de cinema de autor influenciado pelas cinematografias europeias, com uma câmara fluída, uma fotografia plástica e uma banda-sonora de violinos muito à nouvelle vague. E se, por um lado, isso lhe dá uma abordagem tão inesperada quanto única, por outro confere-lhe um gesto algo supérfluo, em que parece mais pose do que reacção, deixando-o ali nos intermédios entre o pretensioso e o bom cinema. E isso é, simultaneamente, a sua maior força e fraqueza. Daí o McChicken final.

Título: Moonlight
Realizador: Barry Jenkins
Ano: 2016

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