Como pode um episódio de uma série praticamente todo passado dentro de um roupeiro ser algo que calha a pena ver? E um episódio sem uma única linha de diálogo? Não faço a mais pequena ideia, mas que é, é. Falo apenas dos dois primeiros episódios da primeira temporada (vai agora na terceira) da série Inside No. 9, da BBC.
Reece Shearsmith e Steve Pemberton escrevem e protagonizam todas as temporadas de seis episódios de cada temporada da série que apresentam como comédia negra. É bem verdade que eles têm mais legitimidade do que um rezingão atrás de um teclado a escrever para um (ainda que de alta qualidade) site, mas caracterizar esta série como comédia negra é mais enganador do que revelador. Para começar, cada episódio de meia hora tem uma história perfeitamente autónoma e a única coisa que partilham é terem a acção a decorrer dentro de um número 9 (uma casa de família, um restaurante, uma carruagem…). Mas para além disso, mais do que uma comédia negra, Inside No. 9 é antes uma série que vai da mais hilariante e leve comédia à mais violenta tristeza em meio segundo. Frequentemente, ainda estamos nós de sorriso estampado nos lábios e uma reviravolta revira-nos as entranhas e muda de tom tão rapidamente que nos chegamos a sentir culpados por ainda estarmos com um sorriso estúpido na cara.
É bem verdade que o seu formato faz com que corra o risco acrescido de ter alguns episódios que deixam alguma água na boca. Mas o problema aí é tanto dos ditos episódios como das expectativas ridiculamente altas que os restantes estabelecem. É que ver cada episódio à espera de ficar de cara à banda não é propriamente justo. Mas no final de alguns é mesmo isso que acaba por, inevitavelmente, acontecer.
É com um incrível controlo e concentração que Pemberton e Shearsmith fazem avançar as história entre a comédia e o macabro, entre o drama e o terror, mas sempre com a história a ocupar toda a centralidade. Na verdade, mesmo com alguma irregularidade (pouquíssima, na verdade), é perfeitamente seguro sentarmo-nos no sofá no início de cada episódio e dizer um “Vá, surpreende-me!” com a segurança de quem não se vai desiludir.
Para quem gosta de história mais do que de artifício, Inside No 9 é um tesouro escondido. Cada um dos episódios concentra-se quase exclusivamente no argumento e na representação deixando tudo o resto num plano secundário, o que torna a série mais teatral do que propriamente televisiva. Trata-se de uma das melhores coisinhas a passar actualmente na televisão e, se ainda não a viram, recomendo vivamente que corrijam imediatamente esse erro.