| CRÍTICAS | Ghost in the Shell – Agente do Futuro

Em Jodorowsky’s Dune, há uma parte em que Alejandro Jodorowsky abre e folheia o enorme calhamaço que é o storyboard da sua épica e nunca feita adaptação do Dune ao cinema. Página após pagina, encontramos cenas e cenas que conhecemos tim tim por tim tim de outros filmes, de Guerra das Estrelas a Alien – O Oitavo Passageiro, e ficamos boquiabertos. Sensação semelhante acontece-nos quando lemos ou vemos Ghost in the Shell, o anime que é simultaneamente uma obra de culto, foi o filme mais caro do Japão aquando da sua estreia e continua a coleccionar fãs acérrimos em todo o mundo, como Steven Spielberg, por exemplo. É que a obra de Masamune Shirow influenciou filmes como Matrix, Equilibrium e, basicamente, tudo o que é a estética cyberpunk pós-anos 90, para não falar da sua relação promíscua com Blade Runner – Perigo Iminente.

Depois de ter andado durante décadas a ser empurrado de um canto para o outro, eis que chega finalmente a tão esperada adaptação de Ghost in the Shell – Agente do Futuro ao cinema de imagem real. E depois de tanta especulação e nomes avançados, não deixa de ser uma certa surpresa a escolha de um quase-desconhecido Rupert Sanders para a cadeira de realizador. Mais natural foi a escolha de Scarlett Johansson para o papel principal, se bem que depois veio a polémica atrás, com o filme a ser acusado de whitewhasing. Tanto se escreveu e debateu na net, que o próprio Masamune Shirow teve que vir a público lembrar que esta é uma história sobre ciborgues e, como tal, não interessa se as máquinas são brancas, pretas, asiáticas ou esquimós.

Ghost in the Shell – Agente do Futuro ambienta-se então num futuro distópico, onde se tornou norma os humanos serem melhorados com partes artificiais. No entanto, Scarlett Johansson é a primeira experiência a testar um procedimento radical – o de transplantar apenas o cérebro humano para um corpo totalmente artificial. Ou seja, um ciborgue em que apenas o seu fantasma (percebem de onde vem o título?) é humano. E, se por um lado, isso faz dela uma letal arma militar, por outro traz ao de cima o eterno dilema entre humanismo e artificialidade, como uma fábula de Pinóquio em modo de acção.

Nada disto é novo e, se se sentir que já viu isto algures, não se assuste. Não, não é deja vu, as variações são mais do que muitas, desde RoboCop – O Polícia do Futuro a AI – Inteligência Artificial. É certo que, por um lado, a maioria destes filmes devem muito ao Ghost in the Shell original, mas por outro não conseguimos contornar esta certa previsibilidade. É como a própria realidade distópica de Ghost in the Shell – Agente do Futuro que parece que já a vimos antes, numa cidade completamente vertical, engolida pelos arranha-céus, pelos neons, as auto-estradas suspensas e as propagandas gigantes. Os arquitectos teorizam sobre isto ao chamar-lhe de acidade, assim mesmo, com um a no início, como que a reforçar a sua impessoabilidade e uma determinada uniformização, que faz dela uma cidade sem qualquer personalidade específica, que pode ser qualquer uma no planeta, seja na Ásia ou na América do Sul.

Já vimos então distopias semelhantes em O Quinto Elemento ou Blade Runner – Perigo Iminente, mas ao contrário desta última, que acontecia em suspenso enquanto que, a nível térreo, era uma espécie de cidade do pecado, assolada pelo crime e pelo bandidismo, a de Ghost in the Shell – Agente do Futuro é bem mais pacificada. Quem vem colocar um pauzinho na engrenagem são os ciberataques de um ciborgue assassino (Michael Pitt), que vai trazer ao de cima todas as reflexões que mencionei nos parágrafos anteriores, enquanto que a divisão chefiada por um envelhecido Takeshi Kitano se põe ao seu encalço.

Ghost in the Shell – Agente do Futuro não defrauda quem passou vinte anos à espera do filme e muito menos quem não conhece o anime. A reconstituição futurista é impecável, assim como o CGI, se bem que falta um certo factor uau às sequências de acção – o mesmo factor que continua a impressionar, por exemplo, no primeiro Matrix. No entanto, o que deixa um certo amargo de boca é uma sensação de facilitismo do argumento, que joga sempre pelo seguro, preferindo manter-se certinho e eficaz do que arriscar a colocar o espectador a pensar. É um McBacon que mata a fome, mas que não enche propriamente todas as medidas.Título: Ghost in the Shell
Realizador: Rupert Sanders
Ano: 2017

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *