| CRÍTICAS | Brazil – O Outro Lado do Sonho

Para os fãs dos Monty Python (uma vénia encarpada com saída à rectaguarda), pode parecer estranho que Terry Gilliam faça filmes normais (leia-se que não sejam comédias). Contudo, não é muito difícil compreender, basta apenas ver os pouco convencionais Brazil – O Outro Lado Do Sonho e A Fantástica Aventura Do Barão para encontrar que o humor continua lá. Só que é um humor distorcido e posto em outra perspectiva.

Brazil – O Outro Lado Do Sonho (numa imaginativa tradução do título para português) iniciou a carreira de Gilliam como realizador em nome próprio e, consequentemente, a sua luta com as grandes produtoras que continua até hoje (lembram-se do bate-boca com Paulo Branco no ano passado?). Felizmente, conseguiu levar a sua avante e deixar a mal-amada versão do filme, Love Conquers All, na gaveta. Essa era uma edição feita pelo próprio produtor, com um final lamechas à boa maneira de Hollywood e muitas cenas omitidas. Hollywoodices…

Brazil – O Outro Lado Do Sonho é o retrato de um distopia com um terço de pós-apocalipse e dois de futurismo-retro-steampunk, afogada em burocracias e em exacerbada bizarraria e com muita influência dos cenários do expressionismo alemão. No centro da estória está Sam Lowry (um genial Jonathan Pryce), que morre de aborrecimento com a sua vida cinzenta e tem um sonho recorrente, onde num misto de Ícaro e de Kurosawa, salva uma bela donzela. No meio de toda a papelada e burocracia daquela sociedade cinzentona, Lawry vai ver-se envolvido num erro de sistema, cujas consequências o colocam no centro de um terrível jogo de poder contra o terrorismo (onde a cara visível é a do engenheiro térmico Tuttle, um fantástico Robert De Niro) e a má reputação. E claro, no centro de uma romântica estória de amor, pela proscrita Jill Layton (uma sofrível Kim Greist; não foi por acaso que Terry Gilliam cortou a maioria das suas cenas).

Parece complicado; e é! Brazil – O Outro Lado Do Sonho é um bizarro documento, mas com alguns traços comuns ao cinema de Terry Gilliam: o humor absurdo que fez furor nos Monty Python (e que conta, inclusive, com prestações de Michael Palin e de Gordon “René Artois” Kaye); a crítica à sociedade e à nossa natureza auto-destrutiva, que encontrou a sua principal projecção em 12 Macacos; e as personagens esteriotipadas e situações non-sense. Junto a isto há ainda vários sinais de uma espécie de cinema de autor, tão comum nas primeiras obras, quando os realizadores de divertem a experimentar coisas novas.

Brazil – O Outro Lado Do Sonho é um filme inteligente e negro (ou não fosse ele filmado como se de um noir se tratasse), que explica muita da obra de Gilliam. Para o final nota-se que o realizador começou a perder o controlo e a exagerar demasiado (como acontece na célebre curta-metragem que antecede O Sentido Da Vida, que começara como um simples gag do filme e descambou num outro filme dentro do filme, que custou mais que o próprio Sentido Da Vida), mas felizmente o filme estava no fim e os estragos não foram muitos. E o McRoyal Deluxe ainda premeia o final triste, algo tão difícil de encontrar na sétima arte e que a minha mórbida natureza tão preza.Título: Brazil
Título: Terry Gilliam
Ano: 1985

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