Sente-se confortavelmente, que vamos contar-lhe uma história.
Na década de 80, quando a Marvel estava a atravessar uma grave crise financeira, Stan Lee vendeu ao desbarato os direitos cinematográficos da maioria dos seus heróis. No entanto, como na altura os super-heróis não estavam na moda e os efeitos-especiais ainda não tinham alcançado a sofisticação dos dias de hoje, os filmes que acabaram por surgir ou foram coisas más (Fúria Silenciosa), ou coisas muito más (Capitão América). A excepção parecia ser o Quarteto Fantástico, grupo de heróis que merecia um filme como deve ser. E por isso, a produtora esperou a ocasião certa (aquela em que tivesse dinheiro suficiente). Mas esse dia nunca chegou e como estava a terminar o prazo dos direitos sobre os heróis, os produtores pensaram que se lixe, vamos lá fazer isso. Telefonaram então a Roger Corman, o rei dos filmes de série B de baixo orçamente e pediram-lhe Quarteto Fantástico em quinze dias. Corman fê-lo numa semana. E pelo meio ainda teve tempo para ir a um casamento.
Quarteto Fantástico foi então um filme tão mau que nem chegou sequer a ir para os clubes de vídeo. Toda a gente tentou esquece-lo. Mas umas cópias piratas surgiram nos mercados alternativos e actualmente, com o advento da internet, Quarteto Fantástico tornou-se num dos filmes de culto dos geeks da banda-desenhada e dos nerds dos filmes de série B. Por isso, se tiver oportunidade de o ver, não hesite. É a experiência de uma vida.
Não vale a pena falar aqui da estória do filme, porque ela mal existe. E a que existe é tão ruim (e com tão pouco a ver com os livros), que mais vale ignora-la. Basta dizer que foca a origem do Quarteto Fantástico, confrontando-o com o seu arqui-rival Dr. Destino. Pelo meio, existem personagens secundárias metidas a martelo com a mesma graciosidade com que um elefante se move numa loja de porcelanas (como a pobre da Alicia Masters (Kat Green)), e inimigos inventados que não se percebe muito bem que andam lá a fazer (como o Joalheiro (Ian Trigger), um tipo com ares do Toupeira e de Pinguim).
É certo que o filme foi feito numa semana e com meia dúzia de tostões, mas mesmo assim podiam ter contratado actores que soubessem representar minimamente. Com um leque de ilustres desconhecidos, que têm feito carreira quase exclusivamente na televisão, Quarteto Fantástico é então composto por: Sr. Fantástico (Alex Hyde-White), cujas propriedades elásticas consistem num braço extensível; a Mulher Invisível (Rebecca Staab), cujos poderes de se tornar invisível limitam-se a… desaparecer do ecrã; o Tocha Humana (Jay Underwood), cuja única vez que se transforma, literalmente, no Tocha Humana, transforma-se num desenho-animado(!); e o Coisa (Michael Bailey Smith), curiosamente o mais conseguido dos quatro, apesar de estar encerrado num fato de borracha cor-de-laranja. Do outro lado está um bem caracterizado Dr. Destino (Joseph Culp), que dá um novo sentido ao overacting e que precisa de uma oleadela na armadura, uma vez que range por todo o lado.
Quarteto Fantástico é tão cheesy e ridículo que só serve para dar umas valentes gargalhadas. Sequências de acção como a que o Senhor Fantástico imobiliza trinta soldados inimigos ao esticar o pé à frente de uma porta e fazendo-os tropeçar é, completamente, impagável. Não se percebe muito bem é a intenção de dar dois sidekicks ao Dr. Destino – e o respectivo comic relief, quando tudo o resto no filme já era comic relief. Tudo isto faz o filme ter aquele ar ingénuo da série do Homem-Aranha que dava há uns anos na TVI.
Em Quarteto Fantástico tudo é mau. Os actores são maus, os efeitos-especiais são maus, o argumento é mau. Tudo é tão mau ao nível de uma Hamburga de Choco. E, mesmo assim, é o melhor de todos os filmes do Quarteto Fantástico(!). Não consigo entender.Título: The Fantastic Four
Realizador: Oley Sassone
Ano: 1994