| CRÍTICAS | Kaleidoscope

Já toda a gente teve uma noite daquelas, em que o rock’n’roll foi tanto que, na manhã seguinte, não nos lembramos de nada. No cinema isso é, normalmente, matéria para a comédia – e para muitas sequelas (alguém mencionou A Ressaca?) -, mas também o pode ser para o terror. Que o diga Toby Jones, que um dia acorda sem se recordar da noite anterior e tem uma mulher morta na casa de banho.

É assim que arranca Kaleidoscope e é com Toby Jones que vamos ficar todo o filme, a tentar esconder as provas ao mesmo tempo que tenta lembrar-se do que se passou realmente. Toby Jones é um ex-presidiário a tentar retomar a vida normal, num condomínio social, numa vida cinzentona, sem televisão, computador ou qualquer outro tipo de divertimento. E a sua vida reflecte esse aborrecimento.

O realizador Rupert Jones – que é irmão de Toby e que experimenta aqui, pela primeira vez, o género fantástico em detrimento da comédia – reflecte no seu cinema essa vida pouco interessante. E esse estilo espartano, aliado aquele realismo muito protocolar do cinema britânico, faz lembrar em certa medida Michael Haneke e a nova onda do cinema austríaco. Mas depois há maisuns pauzinhos que começam a ser metidos naquela engrenagem e que nos fazem começar a desconfiar que nem tudo é o que parece.

A paranóia começa a instalar-se aos poucos no apartamento minúsculo de Toby e, de repente, temos outro hóspede inesperado. Desta vez é Roman Polanski e aquela ideia do doppelganger, que lhe deu material para toda a Trilogia dos Apartamentos, que começam a bater à porta, a surgir quando não são convidados e a demorarem-se cada vez mais tempo na sala de estar.

Kaleidoscope tem twist final, mas o facto de ser mais ou menos inesperado nem sequer é fundamental para o sucesso do filme. É que este prende-se sobretudo no ambiente monótono do filme (e isto é um elogio), na prestação impecável de Toby Jones e na forma elegante como vai acumulando o suspense até à decisão final. Um McBacon que nos prova que o realismo britânico também pode ser material para o cinema fantástico. 

Título: Kaleidoscope
Realizador: Rupert Jones
Ano: 2016

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *