| CRÍTICAS | Excitação

A Boca do Lixo é uma zona do centro de São Paulo que, algures ali nos anos 70, deu nome a um movimento cinematográfico independente e underground pouco falado. Pelo menos, quando comparado com o Cinema Novo ou com o Tropicalismo, de Glauber Rocha, por exemplo. É um movimento não-oficial, que vai tanto ao fantástico série-b do Zé do Caixão como ao radicalismo mais extremo de Julio Bressane, mas que ficou essencialmente marcado pelas porno-chanchadas.

O MotelX deste ano desenterrou num nome deste movimento que, deste lado do Atlântico, nunca ninguém ouviu falar, mas que foi um dos realizadores mais interessantes (e prolíferos) desse movimento. Além disso, Jean Garrett tem ainda uma curiosidade biográfica peculiar: é que era português, nascido nos Açores, e fugira para o Brasil para escapar ao serviço militar obrigatório e, claro, ao Ultramar.

Excitação é um filme fantástico, que recorre ao erotismo para captar público de forma descarada e sensacionalista. O que significa que, de 15 em 15 minutos, vai haver uma cena de sexo ou de nudez gratuita, apenas para encher chouriços. Isso não significa que Garrett não domine a linguagem do género, como quem andou a consumir em grandes quantidades o giallo italiano. Afinal de contas, há outros filmes assim. Thriller – A Cruel Picture não só é um belo filme de vingança, como é nos intermédios um filme porno para vender.

Renato (Flávio Galvão) e Helena (Kate Hansen) mudam-se para uma praia deserta, onde só há mais uma casa vizinha – a de Arlete (Betty Saady) – e um pescador, para que ela possa descansar e curar-se das alucinações nervosas que tem. E ele, como engenheiro informático que é – e, consequentemente, um tipo racional que despreza crenças sobrenaturais -, não tem tempo para aquelas coisas. O que ninguém esperava é que o marido de Arlete, que se suicidara naquela mesma casa, voltasse para assombrar a casa, fazendo com que os electrodomésticos ganhassem vida.

Enquanto que Renato se vai envolvendo com a vizinha – e depois com a prima desta, transformando aquilo num triângulo amoroso só porque sim (e porque Zilda Mayo tem umas mamas maiores que vale a pena explorar) -, Helena vai sendo atacada pelo chuveiro ou pela ventoinha, em cena que tiram partido da edição sonora (sempre a principal arma para criar desnorte e desconforto no espectador) e de uma certa manipulação temporal, como se fosse um Tarkovsky dos pobres (pronto, um Leone dos pobres, não exageremos). Há ainda uma costela psicadélica em Excitação, que vem provavelmente do tropicalismo (Glauber Rocha é sempre uma influência omnipresente em grande parte do cinema brasileiro dessa altura), e isso fica-lhe igualmente bem.

Apesar de ser uma porno-chanchada de baixo orçamento, Excitação não é cem por cento descartável. Além de um par de cenas bem esgalhadas – incluindo o prólogo do filme, em que o marido de Helena se enforca -, Excitação é uma interessante amostra etnográfica que merece uma espreitadela e uma trinca no Happy Meal. 

Título: Excitação
Realizador: Jean Garrett
Ano: 1976

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