| CRÍTICAS | El Topo

El Topo estava destinado a permanecer nos cantos recônditos do cinema underground se John Lennon, impressionado pelo que vira, não se tivesse empenhado em trazer a fita de Alejandro Jodorowsky à luz do dia, elevando o nome do realizador chileno aos píncaros do sensacionalismo experimental e transformando El Topo num dos maiores ícones da contracultura da década de 70. Demasiado avançado para a época em que foi realizado, El Topo ainda hoje permanece desfazado de uma realidade socio-cultural que ainda há de vir; além disso, conflitos permanentes entre o realizador a produtora dos Beatles impediram durante anos a divulgação do filme, ajudando assim a torna-lo num dos maiores símbolos de culto no circuito underground – ou não tivesse sido este o primeiro midnight movie da história dos midnight movies.

Os primeiros dez minutos do filme dão logo para revelar uma primeira impressão do filme: El Topo é um western centrado na figura do pistoleiro El Topo (encarnado pelo próprio Jodorowsky), que clama ser Deus e que podia muito bem ter saído de qualquer western spaghetti de Leone. Com as dunas do deserto como pano de fundo, El Topo parece ter sido filmado com apenas uma câmara de qualidade inferior e com uns efeitos especiais amadores, a fazer lembrar o melhor que se fez em O Ninja das Caldas, onde a montagem nem sempre faz sentido, com prejuízos na fluidez das cenas. Mas nada disto importa realmente. Porque em El Topo nada é o que parece e o que interessa é o que lhe está intrínseco. E cada plano é memorável e uma lição de cinema.

El Topo percorre os trilhos do experimentalismo e, como tal, grande parte do seu vocabulário responde por simbolismos. O filme é uma alegoria religiosa, como que a Bíblia projectada num western de pistoleiros violentos; no entanto, a abordagem religiosa de El Topo tem tanto de cristão, como de budista, muçulmano ou pagão. El Topo é como o católico que se confessa no confessionário, como o filipino que se flageia com uma chibata ou como o muçulmano que se imola por uma jihad santa. Nem sempre percebemos bem o que estamos a ver; mas certamente que nunca o esqueceremos.

Alejandro Jodorowsky, realizador, compositor e actor, qual Vincent Gallo da década de 60, não limita o seu filme a uma só abordagem, nem lhe castra qualquer dissertação. Todo ele é perturbador: há sexo, homo e heterossexual, há animais esventrados, crianças com os miolos estoirados, rios de sangue, nudez e aberrações. El Topo é uma experiência cinematográfica indiscritível, perturbadora e inesquecível. Podia tentar aqui qualquer comparação com um Lynch afogado em LSD ou um Pasolini possuído pelo Diabo. Mas El Topo é demasiado Saló ou Os 120 Dias de Sodoma, é demasiado Cremaster e é demasiado Parada De Monstros para qualquer comparação possível. Enquanto filme, El Topo é um McRoyal Deluxe, no pior dos dias. Enquanto documento cultural, meu Deus, é um Royale With Cheese. Royale With Cheese!Título: El Topo
Realizador: Alejandro Jodorowsky
Ano: 1970

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